terça-feira, 8 de abril de 2025

OLHAR AS CAPAS


Arte de Música

Jorge de Sena

Prefácio: Jorge Vaz de Carvalho

Posfácio: Jorge de Sena

Assírio & Alvim, Lisboa, Setembro de 2024

 

MISSA SOLENE, OP. 123, DE BEETHOVEN

 

Não é solene esta música

ao contrário do nome e da intenção.

Clamores portentosos, violência obsessiva

(por sob apelos doces, lacrimosos)

De um ritmo orquestral continuado,

Tanta paixão gritada, tanto contraponto

Que teimosamente impede que na tessitura

Das vozes e dos timbres se interponha hiato

Não de silêncio mas de um fio só

De melodia, por onde a morte

Penetre interrompendo a vida.

 

É medo, um medo-orgulho, feito

de solidão e de desconfiança. Não

piedosa tentativ para captar um Deus,

ou ardente anseio de união com Ele.

Não é também, com tanta majestade,

a exigência de que Ele exista,

porque o mereça quem assim O inventa.

 

É um medo comovente de que O não haja

para remissão dos pecados, bálsamo

das feridas, consolo

das amarguras, dádiva

do que se não teve nunca

ou se perdeu para sempre. É

desejo ansioso de que um Agnus Dei

se interponha (ao contrário da morte) mediador e humano

entre um nada feito música

e outro possivelmente Deus.

E a esperança desesperada e que seja

uma grandeza nossa quanto fique,

de pé, no intervalo entre ambos.

 

                                                       2/11/1964 

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