Woody Allen na apresentação, no Festival de
Veneza, de «Anything Else», por cá
chamou-se «A vida e Tudo o Mais», disse que o melhor de cada novo filme é o
momento em que se fecha numa sala a selecionar clássicos de jazz para a banda
sonora.
E quem ouver os
seus filmes percebe bem o que ele está a dizer.
Alguma da música
que possuo ouvia em bandas sonoras de filmes.
Comprei a
Rusalka de Dvorak porque ouvi excertos num filme do João César Monteiro.
Comprei Dido and Aeneas de Frank Purcell porque «Thy hand, Belinda… when I am
laid in the Earth» é cantada no final de um filme espanhol que penso chamar-se
O Pássaro da Felicidade. Comprei o «Concerti della Natura de Vivaldi porque
alguém num texto no Público dizia que era algo imperdível. Comprei o
Magnificat de Monteverdi porque José Saramago o refere no final de Manual de
Pintura e Caligrafia.
Sempre que um
crítico me diz que eu não mereço o ar que respiro se não ouvir determinado
disco, não hesito. Já tenho levado com algumas desilusões mas isso são os
riscos inerentes a quem não tem educação musical e possui uma incomensurável
ignorância, vai construindo a sua discoteca com base em opiniões várias.
Desde os finais
dos anos 60 que perseguia uma peça musical que servia de indicativo musical, ou
música incidental, do Programa da Manhã, na então Emissora Nacional, que era
apresentado pelo Pedro Moutinho que, para além de uma bela voz, tinha aquilo a
que se pode chamar um “feeling” radiofónico, pena o ter sido um salazarista convicto…
Ninguém é
perfeito.
Era um tema
coral de carácter religioso e a dada passo o coro entoava «Victoire, Victoire»
Contactei os
diversos departamentos da RDP, mas nunca conseguiram dar-me qualquer
informação. Enviei cartas e mails a diversos melómanos, críticos de música
clássica dos jornais, mas face aos escassos detalhes também não conseguiram
dar-me qualquer indicação.
O crítico
Augusto M. Seabra, não estava obviamente seguro, mas lançava a pista de um coro
de Rameau, de «Le Temple de la Gloire, com libreto de Voltaire em que se canta:
“Toi que la victoires/Couronne en ce jour,/Ta plus belle gloire/Vient du tendre
Amour»
Comprei o disco de Rameau, mas não era o que procurava. Outros referiram o moteto Victoires, gravado por
Remé Jacobs, chegaram a dizer que poderia ser de alguma Missa Solene mas
segundo me adiantaram as Missas Solenes ou Requiens são, na sua esmagdaora
maioria em latim.
Sei o que é pretender desesperadamente encontrar um livro, uma música, um filme e não o conseguir, porque não os sei identificar correctamente ou porque, pura e simplesmente, já não existem e não conhecemos quem os tenha. É assim uma espécie de ansiedade, de sufoco, de angústia e insatisfação constantes.
Por um golpe de sorte, um dia, andar à procura de uma música no You Tube, e ter, de repente, esbarrar com a tal música que há anos procurava.
Não direi que foi uma desilusão e que era bem melhor o desejo da coisa do que a própria coisa. Simplesmente determinadas coisas, como tudo, têm tempos, têm momentos.
A tal música
fica aqui.
Passados todos
estes anos, a história começa em 1966, como é que o meu ateísmo ficou agarrado
a um tema de louvor religioso. João Bénard da Costa, se andasse por aqui,
talvez explicasse, ele que, por Cristo na Cruz, citava uma frase de Romano
Guardini:
«O
Cristo na Cruz! Ninguém conseguirá jamais perceber este mistério!»
Mas ele, Bénard tão pouco sabia porque de «há muito longo tempo» reteve
a frase.
Legenda: Pintura de Paul Gauguin
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