Volta
e meia chegam notícias de que mais uma livraria fechou portas. Os tempos
correm, e como eles correm!... e os melhores editores deste nosso país também vão
deixando de andar por aí.
O
editor Fernando Vale, há muito bom tempo, à frente da Relógio d’Água,
registou a morte do editor Luís Oliveira, ocorrida no passado dia 24 de Março,
que segundo Isabel Coutinho no Público, «criou a editora mais
subversiva e desobediente do mercado português»:
UM CATÁLOGO SINGULAR
«Ser editor é
viver uma realidade contraditória.
O catálogo que
vai construindo é obra dos escritores que publica. Mas, no caso dos editores
independentes, que não se inspiram nas vendas ou em sugestões de agentes
literários, esse catálogo pode ser uma conjunção única, uma criação singular.
Por isso,
qualquer editor tende a oscilar entre o zero e o infinito.
Por vezes,
sente-se apenas como aquele que fornece os suportes para a divulgação dos
livros, tendo o mérito das boas revisões, do grafismo bem feito, e, sendo caso
disso, de uma tradução cuidada.
Nos acessos de
megalomania, reclama para si quase todo o mérito, imagina que, sem os ter
escolhido e publicado, os autores quase nem existiriam.
É certo que há
escritores que permaneceriam esquecidos ou que não chegariam, pelo menos tão
cedo, aos leitores portugueses sem o trabalho de Luís Oliveira. É o caso de
Graça Pina de Morais, António José Forte, Tomás da Fonseca, Karl Korsch,
Michael Herr, Frédéric Gros, Albert Cossery, Donald Barthelme, e dezenas de
outros.
Mas a maioria
dos trezentos e quarenta títulos da Antígona poderia ter chegado aos leitores
através de outros editores. Quem não desejaria ter no seu catálogo as distopias
de Orwell, Huxley e Zamiatine, ou criações de Blake, Sterne, La Boétie, John
Berger, Jack London, Galeano, Saunders, Henry Miller ou Bukowski?
Não são pois
apenas os autores considerados individualmente que fazem da Antígona a
Antígona. Há um fio condutor que Luís Oliveira tem segurado ao longo de quatro
décadas. É isso que faz com que todos os autores que publica sejam água da
mesma corrente, diversa e que procura ser digna da audácia com que Antígona,
mulher de Tebas, desafiou, em nome do sangue e da fraternidade, as leis da
cidade, personificadas em Creonte.
O que há de
singular no catálogo da Antígona é esta coerência, um leito por onde fluem as
palavras e ideias dos mais diversos autores, que têm em comum a capacidade de
nunca deixarem indiferentes os leitores.
Luís Oliveira
contou com a colaboração de Torcato Sepúlveda, de João Henriques, José Miranda
Justo, e outros colaboradores. Mas, mesmo eles, foram escolhidos tanto como
escolheram e a sua ligação à Antígona surge como natural e até inevitável.
Na Antígona, é
também visível, além da arte da aceitação, outra ainda mais difícil que é a de
excluir. Não é um verdadeiro editor quem não for capaz de pôr em causa uma
amizade por se recusar a publicar um livro que o não convenceu.
E Luís Oliveira
soube erguer defesas contra a mediocridade ou as facilidades de venda. Evitou
comprazer-se na edição marginal, enfrentou crises, situou-se, para além do bem
e do mal, nas disputas de obras que lhe pareciam essenciais. Fez assim da
Antígona não «uma conspiração permanente contra o mundo», como diz com prosápia
no seu catálogo, mas uma deliberada conspiração contra a mediocridade
imperante.
Andou devagar para chegar longe. Tenho a certeza que saberá envergar até ao fim, com garbo, a armadura de editor independente.
Depoimento escrito por Francisco Vale para a edição comemorativa «Antígona: 40 Anos + 1»
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