“De Facundo a Rio Mayo tive o meu baptismo de “vento contra”, de mão dada com uma vintena de quilómetros de rípio agreste, com muita pedra e seixo solto. Não foi demolidor porque a etapa era pequena – pouco mais de cinquenta quilómetros. Amanhã será mais um teste, a caminho de Perito Moreno – a cidade, não o glaciar, que esse está longe e não decidi se o revisitarei…
Algo que estou careca de saber, mas continua a surpreender-me, é que quando não dou pela existência do vento, isso não significa que não sopra, mas sim que me soprar na nuca. E quando mudo de direcção e o sinto, furioso e gelado, na cara, congratulo-me por não ter de o enfrentar todo o dia… Hoje fez-me andar de asa quase todo o dia e, aliado ao frio cortante que o sol longínquo não conseguiu amenizar, fez-me lacrimejar incontrolavelmente toda a manhã. Cinquenta quilómetros de rípio e surge o negro asfalto… Como é doce a sensação de passar do pesado rípio para o firme asfalto. O velocímetro “dispara”, os quilómetros correm muito mais rápidos, a suavidade da bicicleta sente-se em todo o corpo. Só o frio e o vento persistem… não sinto os pés, que estão tão frios quanto os pequenos charcos de água na berma da estrada, com uma espessa camada de gelo. A mão que vai do lado do sol, não me dói, está mesmo confortável, mas a outra, por sinal do lado do vento e da sombra, está dolorosamente fria. Com os pés, é mais ou menos o mesmos… é como se tivesse o corpo separado em dois. Quando paro para “almoçar”, percorridos exactamente oitenta quilómetros, sinto dificuldade em controlar os movimentos das mãos e vou alternando a mão que segura a sandes, mantendo a outra bem perto da “parte mais quente do corpo”!!
Aliás, se estou numa de confissões e confidências, cá vai mais uma… entre o quilómetro dez e quinze vem a irresistível vontade de urinar. E fico na expectativa, a ver se vai sair líquido ou sólido! Imagino que a urina vai sair em bolinhas, como granizo… felizmente ainda não aconteceu!! As misérias do homem, sujeito à violência da natureza… Infalível parece ser o mapa e o velocímetro. Dois ou três quilómetros antes dos 126 previstos, avisto Perito Moreno no meio de arbustos despidos, de ramos erguidos ao céu do desolador deserto. Quando faço o check-in no camping municipal – não que vá acampar, mas têm uns dormitórios baratos e quentinhos – recebo a boa notícia de que o Glorioso limpou o Twente e passámos à fase de grupos da champion.
Só espero integrar o grupo do Barcelona… “
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