terça-feira, 4 de outubro de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA


“Choveu toda a noite e o vento ameaçava levar barraca e tudo, mas o dia amanheceu límpido e azul fluorescente… Após uma lenta operação de transladação, consegui reunir toda a tralha na estrada de serviço que, se ontem ameaçava lama, hoje era um verdadeiro pântano. Comecei a pedalar devagar, sentindo a bicicleta deslizar descontroladamente. Por mais de uma vez tive de saltar à pressa do selim evitando o espalhanço in extremis. Mas cerca de três quilómetros adiante a coisa tornou-se pura e simplesmente impraticável e as rodas deixaram de deslizar. Ainda percorri umas dezenas de metros com ela pela mão, constatando o estranho poder daquele barro, que parecia cola de onde era difícil arrancar os próprios sapatos! Com um pau, ainda insisti em ir limpando alguma terra dos pneus para que pudessem deslizar na forqueta, mas nem cinco metros conseguia progredir com cada operação de limpeza. À ilharga, na estrada em construção, as enormes caterpilares continuavam, no seu ruído constante, a remover terra, espalhá-la e endireitar o solo. E eu ali especado, com uma raiva contida por ainda não terem terminado o raio da estrada. Parecia-me que mais umas dezenas de metros e o piso era mais liso, talvez mais compacto, talvez, se lá chegasse, conseguisse avançar, ainda que com a Dempster pela mão. E já me preparava para desmontar bagagens e regressar ao velho último recurso, quando reparei numa máquina que, de pá erguida, descia a estrada na minha direcção. Algo me disse que vinha ajudar-me e não me enganei. O jovem maquinista, sorridente, perguntou-me se estava tudo bem e, antes mesmo que respondesse, disse-me para carregar as coisas na máquina que ia ajudar-me. Em segundos enfiei tudo na enorme “pá” da máquina e lá fomos, no ritmo lento do mastodonte, barro fora. Disse-me que o asfalto distava uns dois quilómetros mas não me podia levar até lá, pois estava a ajudar-me por iniciativa própria e esperava que o chefe não desse por isso e o chateasse. Levou-me até ao fim da subida e do barro mais denso, onde me largou com o mesmo sorriso e votos de boa viagem… Agora o piso não era de barro denso e pegajoso mas uma mistura de saibro e lama saltitante – pelo menos podia-se andar… – mas antes de voltar a pedalar tinha de dar uma limpeza “mínima” na Dempster, pelo menos na enlameada transmissão. Por isso prossegui a pé até ao asfalto, onde consumi o resto da água a lavar a transmissão que, com uma boa dose de óleo e parcimónia nas mudanças, me pareceu em condições de prosseguir até Piedra Buena”.

Texto e imagem de Idílio Freire.

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