João Céu e Silva pergunta a Mário de Carvalho sobre se o escritor não tende a questionar o mundo através dos seus livros.
“Mas não intervém directamente sobre a conjuntura. O papel da literatura não é o da intervenção. Claro que pode interrogar e abrir espantos sobre a condição humana, mas não em termos que tenham a ver com a intervenção política directa. E é mau quando há preocupação do escritor em querer usar a literatura para esse tipo de intervenção. Normalmente acaba a criação artística.
O entrevistador atalha se essa crítica encaixa em José Saramago.
“Absolutamente, não! José Saramago é um escritor superior, a ponto de dificilmente encontrar quem se lhe compare neste momento do ponto de vista da capacidade interventiva, de elaboração e domínio da linguagem e do conseguimento artístico. A intervenção do Saramago como cidadão, que foi permanente e constante até ao fim, é diferente da intervenção como escritor nos seus textos.”
Já no seu livro, “Uma Longa Viagem com José Saramago”, João Céu e Silva perguntara a Saramago se o posicionamento político e ideologia dificultava o chegar aos leitores ou se, pelo contrário, facilitava.
“Não sei, mas aí entram vários factores. Claro que eu penso aquilo que penso e sou aquilo que sou e do ponto de vista político, ideológico e filosófico isso está muito claro nos meus livros. Mas sem que eu tivesse de preocupar-me com uma frase do Engels – e o Engels não era uma qualquer pessoa! – há uma carta em que ele responde a uma jovem escritora que lhe pedia conselhos e em que diz: “Quanto menos se notar a ideologia melhor”. Essa frase podia-me ser aplicada. Grande parte dos escritores politicamente empenhados nas ideias socialistas ou comunistas, ou coisa que o valha, não leram esta frase ou se leram não lhe deram importância nenhuma e em muitos casos, designadamente no chamado realismo socialista – onde também há grandes obras -, a ideologia nota-se de uma forma e quantidade que não é necessária.”
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