Os grandes
livros terão que ser lidos mais do que uma vez.
E em cada
leitura se descobre novos motivos de encantamento. Olhemos grande parte dos
livros de José Saramago. Por exemplo: O Ano da Morte de Ricardo Reis, Ensaio
Sobre a Cegueira, Manual de Pintura e Caligrafia, O Evangelho Segundo Jesus
Cristo, Memorial do Convento.
Peguemos em
Memorial do Convento.
Teria uns
sete anos quando os pais, numa excursão com vizinhos, o levaram até ao Convento
de Mafra e o quanto a estátua de São Bartolomeu lhe chamou a atenção, ao ponto,
de passados muitos anos, voltando a Mafra, olhando a estátua ter dito de si
para si: «Um dia, gostava de poder meter isto num romance.»
Assim terá
nascido Memorial do Convento.
«Prometo,
pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na
vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia
em que estamos.»
Para o caso,
Memorial do Convento.
O sublinhado
que aqui me trás, foi a releitura (página 169) da apresentação da Passarola a
Domenico Scarlatti.
Para além do
músico, entram o Padre Bartolomeu Lourenço, Baltazar, Blimunda e… cerejas.
“Na sua frente estava uma ave
gigantesca, de asas abertas, cauda em leque, pescoço comprido, a cabeça ainda em
tosco, por isso não se sabia se viria a ser falcão ou gaivota., É este o
segredo, perguntou, Este é, até hoje de três pessoas, agora de quatro, aqui
está Baltasar Sete-Sóis, e Blimunda não se demora, anda na horta. O italiano
fez uma pequena vénia na direcção de Baltasar, que respondeu com outra mais
profunda, ainda que inábil, sempre era ele o mecânico, e além disso estava
sujo, enfarruscado da forja, em todo ele só brilhava o gancho, do muito e
constante trabalho. Domenico Scarlatti aproximou-se da máquina, que se
equilibrava sobre uns espeques laterais, pousou as mãos numa das asas como se
ela fosse um teclado, e, singularmente, toda a ave vibrou apesar do seu grande
peso, cavername de madeira, lamelas de ferro, vime entrançado, se houver forças
que façam levantar isto, então ao homem nada é impossível, Estas asas são
fixas, Assim é, Nenhuma ave pode voar sem bater as asas, A isso Baltasar
responderia que basta ter forma de ave para voar, mas eu respondo que o segredo
do voo não é nas asas que está, E esse segredo não o posso saber eu, Não posso
dar mais que mostrar o que aqui se vê, Já isso basta para que eu agradeça, mas,
havendo esta ave de voar, como sairá, se não cabe na porta.
(…)
Sentaram-se todos em redor da merenda, metendo a mão no cesto, à vez, sem outro resguardar de conveniências que não atropelar os dedos dos outros, agora o cepo que é a mão de Baltasar, cascosa, como um tronco de oliveira, depois a mão eclesiástica e macia do padre Bartolomeu Lourenço, a mão exacta de Scarlatti, enfim Blimunda, mão discreta e maltratada, com as unhas sujas de quem veio da horta e andou a sachar antes de apanhar as cerejas. Todos eles atiram os caroços para o chão, el-rei
que aqui estivesse faria o mesmo, é por pequenas coisas assim que se vê serem os homens realmente iguais. As cerejas são grossas, carnudas, algumas já vêm bicadas pelos pássaros, que cerejal haverá no céu para que também lá possa ir alimentar-se, chegando a hora, este outro pássaro que ainda não tem cabeça, porém se vier a ser de gaivota ou vulcão podem os anjos e os santos confiar que comerão as cerejas intactas, pois, como se sabe, aqueles são aves que desprezam o vegetal.
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1 comentário:
Já li e reli "O MEMORIAL DO CONVENTO".
Na 1.vez larguei à pág
50, na 2°. li-o quase de seguida e de 1 a 10 nota 10, adorei. E tenciono lê-lo numa 3.vez.
Os livros que gostei muito já os reli, por exemplo "STONER" de John Williams, "O ANO DA MORTE
DE RICARDO REIS", "CONTA-CORRENTE", são 10 volumes, já reli o primeiro.
"O PROCESSO" de Kafka.
"NA FLORESTA" de EDNA O' BRIEN, "A LOUCA DA CASA" de Rosa Montero, citei estes que reli mas há mais alguns, nomeadamente do John Steinbeck e outros que agora não me ocorre mas creio que citei os de que mais gostei.
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