quinta-feira, 3 de julho de 2025

PRIMAVERA


                           A João José Cochofel

Rescendem de aroma os montes

E entre rosas e balidos,

Cantam líricas as fontes.

E outros tantos sentidos

Do alvoroço dos sexos

Espalham-se no ar perplexos.

 

Agora que o tempo abre

Não há festa de mais festa

Do que ser flor ou ser ave:

Ser a cor e o chilreio

Onde o céu se manifesta,

Donde a poesia me veio.

 

E os deuses que andaram cá

Bem souberam o que há:

Pois se o caule se abraça a hera

Queres que abrace ninguém?

Como a terra é esposa e mãe,

Vem de noiva a primavera.

 

Mas, ai, flores, tudo flores,

Nas imagens dos altares,

Na poesia e nos amores

E nas pedras tumulares.

Flores me levem ao céu,

Na terra chorarei eu.

 

Sim, primavera da vida,

Quanta lágrima perdida

Anda debaixo de chão!

Flores, suor do meu rosto,

Espinhos me dão encosto,

Flores me negam o pão.

 

Flores, flores olorosas,

Ai, néctar de urnas discretas,

Cai a abelha de fadiga

No pólen, o pão das rosas,

E é esta sempre a cantiga

Que agrada ao mundo e aos poetas. 


Afonso Duarte em Ossadas

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