segunda-feira, 7 de julho de 2025

REOLHARES


Talvez por uns largos tempos, Jorge Silva Melo andou às voltas com A Praia de Cesare Pavese. O resultado é o filme Agosto. Tempo de Reolhar o que aqui se publicou em 2 de Agosto de 2022.


O QU’É QUE VAI NO PIOLHO?


Um atento leitor de Cesare Pavese sabe que A Praia será o menos político dos romances de Pavese.

A observação deixou-a, também, Pedro Mexia, no Expresso, quando em 2011 a Ulisseia reeditou A Praia.

Pavese resume A Praia como um relato da amizade de dois rapazes que uma mulher, casada com um deles, ao mesmo tempo une e separa.

Aparentemente nada acontece.

Quando o tempo de Verão era outro, tão lento, no devagar depressa dos tempo, para citar Guimarães Rosa: bebidas, bailes, jogos na praia, paixões de Verão, que as mães diziam que ficavam enterrados na areia, pores-de-sol, ambientes, sensações, estados de espírito, melancolias, situações de que a maior parte não se conseguem entender mas que gostamos de olhar e sentir, as aparências que revelam mais do que iludem, o carácter efémero das coisas, nostalgias de tempos perdidos, ele, Jorge Silva Melo que, naquele tempo, quando andava a ler romances arrepende-se de não ter dançado o twist e andar de carro descapotável.

No Verão todos os pecados se confundem.

Rilke dizia que só o Verão vale a pena, ou Ruy Belo, mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar caminha para o mar pelo Verão.

Jorge Silva Melo lê A Praia em 1965 e, ficou a moer por dentro que a novela poderia dar um filme.

«Sempre li Pavese com os meus “jeans”, uma camisa aos quadrados vermelha e os cigarros Porto que então fumava , entre os postais que regularmente punha no correio.»

Dessas leituras, dessas melancolias, em 1987, Jorge Silva Melo fez um filme e chamou-lhe Agosto.

 La Spiaggia, de Cesare Pavese, cuja acção se passa nos 40, na Itália do pós-guerra, e aborda a ascensão da burguesia intelectual depois de alguns anos de recuperação económica. O meu filme fala do momento em que li a novela: é mais uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostava de ter feito quando ainda não podia fazer cinema. E um filme que me faltou; é, talvez, o filme que gostava que a geração de João Bénard da Costa tivesse feito quando se encontravam na Arrábida.


É em A Praia  que Pavese deixa escrita a frase que pelos tempos fora tem sido repetida, e sempre continuará a ser, e que vem na pág. 154 da minha velhinha edição de bolso da Portugália Editora:

Começava a compreender que nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz.

Se fosse vivo, Cesare Pavese faria hoje 106 anos.

 E tão cedo que ele nos deixou, quando apenas tinha 42 anos, e com tanto ainda para nos dar.

Em O Diabo Sobre as Colinas escreve que da sua infância só lhe ficara o Verão, e num daqueles muitos seus dias depressivos e tristes, escreveu: basta-me a companhia do mar. Não quero ninguém. Na vida não tenho nada de meu. Deixem-me ao menos o mar.

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