Com um surdo rumor de escavadora
ressoa no subsolo a tua voz.
Muitos tapam os ouvidos delicados.
Outros escondem-se para não ouvir.
E outros estremecem de pavor.
Mas, rápidos, os ciclistas pedalam
na bruma dos subúrbios ao teu encontro.
Rosto baixo, mãos no guiador, pés
bem firmes nos pedais, geram
o movimento, o ritmo alado
das máquinas frágeis que cavalgam
ao amanhecer. Perpassam como espectros
sob a bruma e juntam-se, confluem,
avançam como um rio poderoso
sobre a cidade adormecida.
Os ciclistas. Os que erguem os andaimes
e fazem girar os fusos dos teares.
Os que movem as gruas. Os que
transportam
o dinamite nas mãos calosas.
Os que não sabem envelhecer de tédio
à mesa do café nem vivem de mercadejar
preservativos, palavras, casas
pré-fabricadas.
Os que não sonham morrer em glória
como jovens deuses trespassados na
batalha.
Os que não hão-de apodrecer, como muitos
de nós, roídos de lepra e desespero.
Esses merecem bem a tua voz, Orfeu.
Papiniano
Carlos em O Desporto Na Poesia Portuguesa
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