quarta-feira, 2 de julho de 2025

OS CICLISTAS

Com um surdo rumor de escavadora

ressoa no subsolo a tua voz.

Muitos tapam os ouvidos delicados.

Outros escondem-se para não ouvir.

E outros estremecem de pavor.

Mas, rápidos, os ciclistas pedalam

na bruma dos subúrbios ao teu encontro.

Rosto baixo, mãos no guiador, pés

bem firmes nos pedais, geram

o movimento, o ritmo alado

das máquinas frágeis que cavalgam

ao amanhecer. Perpassam como espectros

sob a bruma e juntam-se, confluem,

avançam como um rio poderoso

sobre a cidade adormecida.

Os ciclistas. Os que erguem os andaimes

e fazem girar os fusos dos teares.

Os que movem as gruas. Os que transportam

o dinamite nas mãos calosas.

Os que não sabem envelhecer de tédio

à mesa do café nem vivem de mercadejar

preservativos, palavras, casas pré-fabricadas.

Os que não sonham morrer em glória

como jovens deuses trespassados na batalha.

Os que não hão-de apodrecer, como muitos

de nós, roídos de lepra e desespero.

Esses merecem bem a tua voz, Orfeu.

Papiniano Carlos em O Desporto Na Poesia Portuguesa

 

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