quinta-feira, 10 de julho de 2025

RETORNO À MEMÓRIA

estar sempre com frio

como o caminhar à noite só sem luz

como a árvore que olha com raiva a tempestade

talvez mesmo como a cama

que conserva apenas as formas já desfeitas

dos corpos que nelas se deitam

 

depois com o vento

é a saudade das madrugadas doutros tempos

quando o simples descer uma escada

era a mais extraordinária das aventuras

quando a certeza de encontrar uns braços abertos

estava evidente no fundo da escuridão

 

então tudo era simples muito belo

qualquer palavra tua

era a mais maravilhosa das afirmações

qualquer gesto que fizesses

era o mais belo movimento de amor

caminhar ao acaso

era a grande viagem sempre renovada todos os dias

e à noite

não havia frio como agora

mesmo que o mar nos cobrisse de algas

mesmo que a areia

trouxesse consigo o gelo das mais remotas estrelas

 

agora amor escuto o teu olhar

através da distância cada vez maior e mais alucinante

que nos separa

escuto-o através da ponte

que formaram os caminhos por nós percorridos um dia

vejo-te como partiste

muito pura flores na testa mãos abertas

igual às madrugadas doutros tempos

igual à grande aventura

de caminhar ao acaso


Mário-Henrique Leiria

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