Tenda dos Milagres
Jorge Amado
Capa: Manuel Dias
Círculo de Leitores,
Lisboa, Maio de 1983
Mas é um pão! Ai, meu Deus, um pão de mel! – Eclamou Ana Mercedes,
dando um passo à frente, a destacar-se, palmeira tropical, da massa de
jornalistas, professores, estudantes, grã-finas, literatos, vadios, ali
reunidos, no amplo salão do grande hotel, à espera de James D. Levenson para a
entrevista coletiva.
Microfones das estações de rádio, câmaras de televisão, refletores,
fotógrafos, cinematografistas, um cipoal de fios elétricos, e por entre eles a
jovem repórter do Diário da Manhã
atravessou, risonha e rebolosa, como se encarregada pela cidade de receber e
saudar o grande homem.
Rebolosa é termo chulo e falso, adjetivo vil para aquela navegação de
ancas e seios, em compasso de samba, em ritmo de porta-estandarte de rancho.
Muito sexy, a minissaia a exibir-lhe as colunas morenas das coxas, o olhar
noturno, o sorriso de lábios semiabertos, um tanto grossos, os dentes ávidos e
o umbigo à mostra, toda ela de oiro. Não, não ia a rebolar-se, pois era a
própria dança, convite e oferta.
O americano saíra do elevador e detivera-se a olhar a sala e a deixar-
-se ver: um metro e noventa de estatura, o físico de esportista, o jeito de
ator, cabelos loiros, olhos azul-celeste, cachimbo, quem lhe daria os quarenta
e cinco anos de seu curriculum vitae? As fotos de página inteira nas revistas
cariocas e paulistas eram responsáveis pelo mulherio presente, mas todas
imediatamente constataram: o material ao vivo excedia de muito os retratos. Que
homem! Despudorada! — disse uma delas, de peitos de rola; referia-se a Ana
Mercedes. Fascinado, o sábio fitou a moça: vinha decidida em sua direção, o
umbigo de fora, nunca vira andar tão de dança, corpo assim flexível, rosto de
inocência e malícia, branca negra mulata. Veio e parou em sua frente — não era
voz, era gorjeio:
- Alô, boy
-Alô! – gemeu Levenson, retirando o cachimbo da boca para beijar-lhe a mão.

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