segunda-feira, 1 de setembro de 2025

NESTE DIA


A nova maneira para abordar os Diários que existem na Biblioteca da casa, permitem voos diversos.

Estamos, hoje, com o Diário de Miguel Torga.

Miguel Torga não é um escritor que me entusiasme. Provavelmente nunca o soube ler. Mas do que escreveu, os Diários são o que me despertaram uma atenção diferente das restantes obras.

Lamento de José Saramago no momento da morte de Miguel Torga:

«Não conheci Miguel Torga. Nunca o procurei, nunca lhe escrevi. Limitei-me a lê-lo, a admirá-lo muitas vezes, outras não tanto. Foi só de leitor a minha relação com ele.

(…)

Achava que havia em Torga algo que eu gostaria de ter, e não tinha: o direito ganho por uma obra com uma dimensão em todos os sentidos fora do comum, a música profunda de uma sabedoria que nascera da vida e que à vida voltava, para não se tornarem, ambas, mais ricas e generosas. Que Torga não era generoso, dizem-no. Mas eu falo de outra generosidade, a que se entranha nesse movimento de vaivém que em raríssimos casos une o homem à sua terra e a terra toda ao homem.

Demasiado cedo morreu Miguel Torga. Compreendo agora quanto gostaria de tê-lo conhecido. Demasiado tarde».

 José Saramago em Cadernosde Lanzarote, 3º volume

Agustina Bessa-Luís não gostava de Torga?

Provavelmente não.

Agustina Bessa-Luís em em O Livro de Agustina:

«Escrevi o Mundo Fechado enquanto minha filha dormia; a cozinha era de telha-vã e havia um ratinho esperto ao qual eu punha comida na dispensa todas as noites. E lá vinha o aroma das tílias anunciando os exames e o seu terror laureado de esperanças. O livro foi recebido com agrado, só o Torga me deu uma resposta convencional que não me caiu bem. Fiquei fula e qualifiquei-o entre os sete fariseus-hipócritas que estão registados no Talmude e dos quais faz a sátira.»

Luiz Pacheco sobre Torga:

«O Torga não era um escritor avençado! Era até um escritor único em Portugal, e no mundo, porque se editava a si próprio. Mas é um chato do caneco. Por exemploi, faz um poema para cada Natal: é como quem mata uma galinha ou um perú.»

Entrevista a Mário Santos no Público, Março de 1995 em O Crocodilo Que Voa

Miguel Torga, no dia 14 de Abril de 1974, está em S. Martinho de Anta. Neste dia, escreve um poema que intitula ABRIL, contrariando o Luiz Pacheco, não é um poema sobre o Natal:


Dia feliz, passeado.

Sol a jorros, sem calor;

Os santos de sentinela

Nos miradoiros lavados

Onde flameja a brancura

Da graça do seu renome;

Centeio a jurar à fome

O advento da fartura;

Ninhos, namoros, ternura,

E caminhos de amargura

Atapetados de flores

De uma insolência sincera:

Vulvas de todas as cores

No impudor da primavera.

 

A curiosidade possível deste simples poema é que 11 dias depois acontecerá o 25 de Abril e Torga escreve:

«Coimbra, 25 de Abril de 1974 — Golpe militar. Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder à tirania. Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira, é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada...»

Miguel Torga, Diário  no 12º volume

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