A nova maneira para abordar os Diários que existem na Biblioteca da casa, permitem voos diversos.
Estamos, hoje, com o Diário de Miguel Torga.
Miguel
Torga não é um escritor que me entusiasme. Provavelmente nunca o soube ler. Mas
do que escreveu, os Diários são o que me despertaram uma atenção diferente das restantes obras.
Lamento
de José Saramago no momento da morte de Miguel Torga:
«Não conheci Miguel
Torga. Nunca o procurei, nunca lhe escrevi. Limitei-me a lê-lo, a admirá-lo
muitas vezes, outras não tanto. Foi só de leitor a minha relação com ele.
(…)
Achava que havia em
Torga algo que eu gostaria de ter, e não tinha: o direito ganho por uma obra
com uma dimensão em todos os sentidos fora do comum, a música profunda de uma
sabedoria que nascera da vida e que à vida voltava, para não se tornarem,
ambas, mais ricas e generosas. Que Torga não era generoso, dizem-no. Mas eu
falo de outra generosidade, a que se entranha nesse movimento de vaivém que em
raríssimos casos une o homem à sua terra e a terra toda ao homem.
Demasiado cedo morreu
Miguel Torga. Compreendo agora quanto gostaria de tê-lo conhecido. Demasiado
tarde».
Agustina
Bessa-Luís não gostava de Torga?
Provavelmente
não.
Agustina
Bessa-Luís em em O Livro
de Agustina:
«Escrevi o Mundo Fechado enquanto
minha filha dormia; a cozinha era de telha-vã e havia um ratinho esperto ao
qual eu punha comida na dispensa todas as noites. E lá vinha o aroma das tílias
anunciando os exames e o seu terror laureado de esperanças. O livro foi
recebido com agrado, só o Torga me deu uma resposta convencional que não me
caiu bem. Fiquei fula e qualifiquei-o entre os sete fariseus-hipócritas que
estão registados no Talmude e dos quais faz a sátira.»
Luiz Pacheco sobre Torga:
«O
Torga não era um escritor avençado! Era até um escritor único em Portugal, e no
mundo, porque se editava a si próprio. Mas é um chato do caneco. Por exemploi,
faz um poema para cada Natal: é como quem mata uma galinha ou um perú.»
Entrevista a Mário Santos no Público, Março de 1995 em O Crocodilo Que Voa
Miguel
Torga, no dia 14 de Abril de 1974, está em S. Martinho de Anta. Neste dia, escreve
um poema que intitula ABRIL, contrariando o Luiz Pacheco, não é um poema sobre
o Natal:
Dia
feliz, passeado.
Sol
a jorros, sem calor;
Os
santos de sentinela
Nos
miradoiros lavados
Onde
flameja a brancura
Da
graça do seu renome;
Centeio
a jurar à fome
O
advento da fartura;
Ninhos,
namoros, ternura,
E
caminhos de amargura
Atapetados
de flores
De
uma insolência sincera:
Vulvas
de todas as cores
No
impudor da primavera.
A curiosidade possível deste simples poema é que 11 dias depois acontecerá o 25 de Abril e Torga escreve:
«Coimbra, 25 de Abril de 1974 — Golpe militar. Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder à tirania. Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira, é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada...»
Miguel Torga, Diário no 12º volume

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