Em Maio andei por aqui a relatar os acontecimentos que desembocaram na extinção, pela PIDE, da Sociedade Portuguesa de Escritores.
No utilíssimo bloguue “Frenesi livros”, deparo com a carta que o escritor Manuel Mendes endereçou a Joaquim Paço d’ Arcos, a propósito de A Dolorosa Razão de Uma Atitude, que define bem a estirpe e a verticalidade dos intelectuais que se opunham ao regime.
A Frenesi livros” tem à venda, por 175,00 euros, uma edição de Luuanda de Luandino Vieira, A Dolorosa Razão de Uma Atitude de Joaquim Paço d’Arcos, que tem junta a carta de Manuel Mendes:
Joaquim Paço d’Arcos
Ex.mo Senhor:
O meu primeiro impulso foi devolver-lhe, indignadamente, o pasquim que teve o atrevimento de me enviar, o que desde logo considerei como insultuoso. Todavia quis reflectir, ponderar nas minhas razões, evitando obedecer a movimento acaso inconsiderado, mas tentei ler segunda vez essa protérvia e não consegui: repugnou-me. V. Ex.cia devia, como as ninfas de Camões, tapar ao menos com um ligeiro cendal as pudibundas partes. É indecoroso o que exibe.
No seu acrisolado patriotismo – Heróis do mar!... –, V. Ex.cia mistura, desavergonhadamente, a Sociedade Transzambezia Railways, de que é mui prestante delegado do Governo, com a Companhia Portuguesa de Escritores, a que presidiu com tão fina elegância mundana. Tenha juízo e não ande a fazer dos outros parvos.
Todos sabemos – e nas dores do espírito e da carne – que tal insolência só é possível a coberto da censura. Sem ela, estaria V. Ex.cia caladinho como um rato. Abotoe a braguilha, para decoro nosso. Lições de patriotismo, não está V. Ex.cia em condições de as dar, mas antes de as receber, se pode em verdade entendê-las. Era o que nos faltava. Medite, por exemplo, como se comportou com a guerra da Argélia o Sartre, e os restantes dos cento e dez intelectuais franceses que ousaram protestar como lhes competia. Mas isso é gente de coluna vertebral direita e com os atributos da virilidade no seu lugar. A guerra dá para morrer – não há horror maior! –, mas dá também a uns tantos para ganhar alegremente a vidinha – não há infâmia que se lhe compare! Tenha pelo menos uns laivos, já não digo de pudor, mas de cautela, e nunca mais se atreva a estender a mão a quem ofendeu e das veras da alma o detesta
Lisboa, 20 de Junho de 1965
Manuel Mendes»
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