quarta-feira, 17 de novembro de 2010

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...


O mecenato afastou-se para algo que desse mais nas vistas, e o Festival de Música de Mafra acabou.

Uma muito feliz iniciativa para levar a música clássica a sítios fora da esfera habitual de Lisboa, que contava com a competente direcção artística de Miguel Lobo Antunes.

Os compositores e os intérpretes eram criteriosamente escolhidos, e o festival tinha adesão popular, para o que muito contribuía a acessibilidade do preço dos bilhetes.

Nesta VIII edição do Festival, os preços eram de 5 e 8 euros.

Um outro pormenor emprestava ao Festival um cunho peculiar o seu direito à diferença: as lindíssimas salas do Convento onde os concertos se realizavam. A atmosfera que se respirava emprestava um outro prazer ao já em si prazer de ouvir música.

É forte a ligação do Convento de Mafra à música, bem patente no espólio palaciano constituído por seis órgãos e dois carrilhões e no facto de o rei D. João V ter concedido  aos músicos da época um forte apoio e protecção.

Acresce que o compositor Domenico Scarlatti passeia-se pelo “Memorial do Convento” de José Saramago:

“Levou o seu tempo a cerimónia. Às tantas calou-se por milagre a multidão, mal se moviam as auriflamas e os estandartes nos mastros, os soldados olharam todos na direcção da ponte e da casa. Começara a ouvir-se uma música delgadinha, suavíssima, um tilintar de sininhos de vidro e prata, um harpejo às vezes rouco, como se a comoção apertasse a garganta da harmonia. Que é isto perguntou uma mulher ao lado de João Elvas, e o velho respondeu, Não sei, alguém que está a tocar para divertimento das majestade e alteza, se estivesse aqui o meu fidalgo perguntava-lhe, ele sabe tudo, é lá deles. Acabará a música, todos irão aonde têm de ir, corre sossegadamente o rio Caia, de bandeiras não resta um fio, de tambores um rufo, e João Elvas nunca chegará a saber que ouviu Domenico Scarlatti tocando no seu cravo.”

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