sábado, 27 de novembro de 2010

SARAMAGUEANDO


Beatriz Barbosa, numa crítica a “Provàvelmente Alegria” de José Saramago, e publicada na revista “Vértice” de Agosto/Setembro 1970, escrevia: 

José Saramago tem um tom pessoal inconfundível, resultante dessa mistura de romantismo com boa consciência, o homem consciente da sua época, lúcido, desabusado, compelido ao uso da metáfora.

Dos “vários bons poemas deste livro”, Beatriz Barbosa salientava que os poemas em prosa estão entre os melhores. 

Este é um desses poemas em prosa:

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

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