sexta-feira, 12 de novembro de 2010

SEGURAR A ESCADA



Manuel António Pina no “Jornal de Notícias” de ontem:

“Mais do que saber qual é a mensagem que os protagonistas querem transmitir, o que os cidadãos gostariam de ter é um retrato fiel da situação. Esta crise seria uma ocasião excelente para os media provarem a sua utilidade – para além do consabido “este disse, aquele disse”. Todos gostaríamos de saber o que de facto aconteceu com o PEC I e II. Quais as contas reais do país. O que está a acontecer com as parcerias público-privadas (os factos, e não as leituras ideológicas). Com as empresas que não pagam impostos. Com o off-shore da madeira, com as mil e tal fundações privadas que recebem dinheiro dos nossos impostos, com os privilegiados que acumulam pensões e salários, etc. A verdade é que a maioria dos media se encontra ou acantonada num confortável comodismo ou numa quase paralisia imposta por uma draconiana redução de despesas, que impede qualquer investigação. Só que, sem essa investigação, sem essa função irreverente de watchdog, os media apenas repetem as versões que interessam aos poderes. Sobrevivem, mas isso não é vida. A crise que os media estão a atravessar não é alheia a esta situação. Os media parecem empenhados em provar a sua irrelevância, sem perceberem que é esse o caminho que os está a levar à cova.
Ideias são bens escassos e o seu preço andaria pela hora da morte acaso tivessem procura.
Ora Passos Coelho pertence a uma espécie dotada de um cérebro frenético que segrega permanentemente ideias como o fígado segrega bílis (a formulação de Cabanis tem séculos, mas é perfeitamente actual no caso de Passos Coelho). A sua última ideia, depois do colorido ramalhete de novíssimas ideias, também com séculos, da proposta de revisão constitucional, é prometedora: responsabilizar criminalmente os políticos - Passos Coelho pensa obviamente em Sócrates - que tenham gerido ruinosamente a coisa pública.
A perspectiva de ver metade do país, de presidentes de junta de freguesia a ministros e primeiros--ministros, metida na cadeia é, convenhamos, excitante, e capaz de levar ao êxtase o taxista que existe em cada português. Deve ter ocorrido a Passos Coelho quando, no Curso Rápido de Primeiro-Ministro que estará a frequentar nas Novas Oportunidades, alguém lhe falou de uma lei de 87, assinada por Cavaco como primeiro-ministro, sobre "crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos", designadamente em matéria orçamental.
Talvez, no entanto, Passos Coelho devesse recordar a sua cumplicidade não só no PEC II como, agora, no Orçamento para 2011 e pensar duas vezes antes de ter ideias. Porque, como dizem povo e Código Penal, tão ladrão é o que entra pela janela como o que segura a escada.”

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