Os Mares do Sul
Manuel Vasquez Montalbán
Tradução: Manual de Seabra
Capa: Carlos Bravo
Biblioteca Visão
Abril/Controljornal/Edipresses
Lisboa, Novembro 2008
A viúva tinha-se levantado. Foi até ao cofre engastado atrás de um quadro de Maria Girona, abriu-o, preencheu um cheque, arrancou-o, entregou-o a Carvalho.
- Há cinquenta mil pesetas de gorjeta.
Carvalho assobiou, assumindo o papel de detective particular pago em dólares em Santa Mónica por uma cliente caprichosa.
- Que tudo fique entre nós os dois.
- É preciso aumentar o grupo: Viladecans, Adélia, a rapariga de San Magín, a sua família…
- Espero que não tenha contado nada à minha filha.
- Não. Nem poderei contar-lhe porque não voltarei a vê-la.
- Ainda bem.
- Esperava a sua alegria.
- Não sou uma mão possessiva, mas Yes está traumatizada pela morte do pai. Procura um pai.
- Estou a fazer-me velho, mas ainda não cheguei a essa idade em que a pederastia se encobre de desejos de rejuvenescer ou ao contrário.
Carvalho tinha-se levantado. Levantou uma mão semiaberta e deu-se por despedido. Mas à porta deteve-o a proposta da viúva:
- Não quer vir comigo aos mares do sul?
- Tudo pago?
- Com o que recebeu poderia pagar a viagem. Mas isso não seria problema.
À distância parecia mais frágil, mais pequena. De um tempo a esta parte, Carvalho tentava descobrir nos adultos as características e gestos que tiveram na adolescência e na infância. Isso parecia-lhe perigosamente indulgente. A viúva de Stuart Pedrell devia ter sido uma rapariga com toda a capacidade de entusiasmo deste mundo. Ainda havia mares nos seus olhos, e as suas feições maceradas evocavam o rosto de uma rapariga esperançada que desconhece como é breve a doença que separa o nascimento da velhice e da morte.
- Já não tenho idade para ser gigolô.
- Tudo lhe vem pelo lado sórdido: ou pederasta ou gigolô.
- Deformação profissional. Teria muito prazer em ir consigo. Mas tenho medo.
- De mim?
- Não. Dos mares do Sul. Tenho obrigações: uma cadela de meses e duas pessoas que de momento necessitam de mim ou julgam que necessitam.
- Será uma viagem curta.
- Há tempos costumava ler livros e num deles alguém tinha escrito: Gostava de chegar a um lugar de onde não quisesse regressar. Toda a gente procura esse lugar. Eu também. Há quem tenha léxico para expressar essa necessidade e há quem tenha dinheiro para expressá-la. Mas milhões e milhões de pessoas querem ir para o Sul.
- Adeus senhor Carvalho
Carvalho voltou a levantar a mão e saiu sem se virar.
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