domingo, 21 de novembro de 2010

SARAMAGUEANDO


Ao lado de um grande homem, há sempre uma grande mulher, dizem.

Sabe-se como Pilar del Rio conheceu José Saramago e o que desse encontro veio a acontecer.

Gostara muito de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” e veio a Lisboa para fazer o percurso do livro: Hotel Bragança, Cemitério dos Prazeres, Alto Santa Catarina, por aí fora. 

Telefonou a Saramago para o felicitar. Encontraram-se para um café, mantiveram correspondência e um dia ele perguntou-lhe se a podia visitar em Sevilha.

Na dedicatória de “Caim” Saramago escreveu:

“À Pilar como se dissesse água”.

Há-de também dizer que se tivesse morrido aos 63 anos, antes de conhecer Pilar, morreria muito mais velho do que seria quando chegasse a sua hora.

Em “Uma Longa Viagem com José Saramago”,  diz a João Céu e Silva, que em “A Jangada de Pedra” existe a única referência autobiográfica que decididamente se lembra de ter colocado num dos seus livros.

João Céu e Silva há-de perguntar a Pilar del Rio:

“Quando leu os parágrafos de “A Jangada de Pedra” – e essa é a única parte da obra em que se está próximo do autobiográfico – que descrevem o vosso encontro o que é que sentiu?”.

Pilar responde-lhe:

“Quando os li reconheci a situação, mas não disse nada porque sei que o Saramago não deixa passar nada da sua vida privada para os livros. Calei-me e esperei que o José mo reafirmasse.”

As palavras encontram-se na pág. 119 de A Jangada de Pedra:

“Tem ali uma senhora à sua espera. Parou José à entrada da sala, viu uma mulher nova, uma rapariga, só pode ser esta, não há aqui outra pessoa, apesar de estar na contraluz dos cortinados das janelas parece simpática, ou mesmo bonita, veste calças e casaco azuis, de um tom que deve ser anil, tanto pode ser jornalista como não, mas ao lado da cadeira onde se senta tem uma pequena mala de viagem e sobre os joelhos um pau nem pequeno nem grande, entre um metro e um metro e meio, o efeito é perturbador, uma mulher assim vestida não se passeia pela cidade de pau na mão, Jornalista não será, pensou José Anaíço, pelo menos não estão à vista os instrumentos do ofício, bloco de papel, esferográfica, gravador.
A mulher levantou-se, e este gesto inesperado, pois está dito que as senhoras, segundo o manual de etiquetas e boas maneiras, devem esperar nos lugares que os homens se aproximem e as cumprimentem, então oferecerão a mão ou darão a face, de acordo com a confiança e o grau de intimidade e sua natureza, e farão o sorriso da mulher, educado, ou insinuante, ou cúmplice, ou revelador, depende. Este gesto, talvez não gesto, mas o estar ali, a quatro passos, levantada uma mulher esperando, ou, em vez disso, a súbita consciência de se ter suspendido o tempo enquanto não for dado o primeiro, é verdade que o espelho é testemunha, mas de um momento anterior, no espelho José Anaíço e a mulher ainda são dois estranhos, deste lado não, aqui, porque vão conhecer-se, conhecem-se já. Este gesto, este gesto de que antes não se pôde dizer tudo, fez mover-se o chão de tábuas como um convés, o arfar de um barco na vaga, lento e amplo, esta impressão não é confundível com o conhecido tremor de que fala Pedro Once, não vibram, de José Anaíço os ossos, mas todo o seu corpo sentiu, física e materialmente sentiu, que a península, por costume e comodidade de expressão ainda assim chamada, de facto e de natureza vai navegando, só o saiba por observação exterior, agora é por sua sensação própria que o sabe.”

Ainda por encontros, fica a saber-se, pela leitura de “Uma Longa Viagem com Saramago”, que Pilar del Rio inspirou a personagem Carmela no “Assassinato no Comité Central” de Manuel Vásquez Montalbán”.

 Pepe Carvalho conta assim:

“ – Entre naquele café e encontrará uma rapariga sentada a ler “Diario 16”. Apresente-se e ela   acompanha-o.
A rapariga combinava dentadinha de fartura com gole de de garoto, sem se ralar com a tonelagem de gente que tomava o pequeno-almoço à sua volta na sua extravagância de único ser humano sentado em todo o café.
- Teve boa viagem?
Depois no trajecto no carro propiciou uma amena conversa sobre o pouco que chovia ultimamente em Madrid e o muito que chovia dantes, por exemplo, quando ela era pequena. Tinha as pernas bonitas embora um pouco delgadas e a madeixa que lhe caía para atesta permitia-lhe começar a cara com dois olhos esplêndidos, com olheiras,  patéticos com a sua magreza à Audrey Hepburn, sublinhada pela roupa negra e lilaz.”

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