terça-feira, 6 de maio de 2025

CONVERSANDO


Nasci em 1945  e sou ateu.

A minha memória de papas estende-se desde Pio XII (1939-1958), prolonga-se com João XXIII (1958-1963), Paulo VI (1963-1978), João Paulo II (1978-2005), Bento XVI (2005-2013), Francisco (2013-2025).

De Pio XII apenas tenho memória de ouvir o meu avô referir as suas simpatias nazis. Ao longo dos tempos tenho ouvido falar que os arquivos do seu papado hão-de ser publicamente revelados.

Por prazeres secretos, nunca revelados, o meu pai gostava da 7ª Sinfonia de Beethoven. Algumas vezes conversámos sobre o desejo de Pio XII, na hora da sua morte, querer ouvir o «alegreto» da 7ª Sinfonia e do poema que Jorge de Sena escreveu, por causa deste desejo de Pio XII.

O poema chama-se Como de Vós e é o último poema do seu Livro Fidelidade, publicado em 1955.

Como de Vós

                À memória do papa Pio XII que quis, ouvir, moribundo, o «Alegreto»

                 da Sétima Sinfonia de Beethoven


Como de Vós, meu Deus, me fio em tudo,
mesmo no mal que consentis que eu faça,
por ser-Vos indiferente, ou não ser mal,
ou ser convosco um bem que eu não conheço,

importa pouco ou nada que em Vós creia,
que Vos invente ou não a fé que eu tenha,
que a própria fé não prove que existis,
ou que existir não seja a Vossa essência.

Não de existir sois feito, e também não
de ser pensado por quem só confia
em quem lhe fale, em quem o escute ou veja.

Humildemente sei que em Vós confio,
e mesmo isto o sei pouco ou quase esqueço,
pois que de Vós, meu Deus, me fio em tudo

 

                                                                             (23 de Dezembro de 2001)

Em relação a outros papas , admirei imenso João XXIII, João Paulo VI, apesar das promessas, não terá conseguido continuar o trabalho do seu antecessor. João Paulo I foi o que (não) se sabe, um chá pôs fim ao reinado. Nunca tive a mais leve simpatia por João Paulo II, e, para além de outras situações, não será para esquecer o seu imenso desprezo pelo povo de Timor-Leste. Com Bento XVI pouco ou nenhum tempo me demorei e passou-me completamente ao lado.

Até que, no cair de tarde de Março de 2013,  o papa recentemente nomeado, chega à janela  e sorridente diz: «Buona Sera!»

E acrescentou:

«Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais o foram buscar quase ao fim do mundo. Eis-me aqui!”

Sabe-se do seu amor pelos fracos e os mais pobres, aliado a um soberano desprezo pelos mais ricos.

Nunca as janelas do Vaticano terão sido tão escancaradas e nenhuma destas janelas, que Francisco abriu, poderão voltar a ser fechadas.

Muita coisa Francisco não conseguiu fazer, não por vontade sua, mas porque o movimento das sacristias, por vezes, ergue-se soberanamente entre as sombras.

Uma cultura nova passeou pelos corredores do Vaticano. Só alguém com cultura, com sensibilidade, leva para o seu lado, para com ele trabalhar, um cardeal português, que é um poeta: José Tolentino de Mendonça, demasiado novo para que, por agora, possa chegar a Papa, e a que falta aquela vertente popular que distinguiu Francisco.

Amanhã os cardeais reunir-se-ão, em Conclave.

Não serão fáceis as conclusões a que terão de chegar. A Igreja atravessa gravíssimos problemas e, em Conclave ficarão, até ao momento em que fumo branco sai da chaminé no telhado da Capela Sistina e a Igreja volte a ter o seu chefe.

Notícias lidas, aqui e ali, apontam para que a Igreja não vai voltar atrás.

Não tenho tanta certeza.

Velha raposa, a Igreja não comete o mesmo erro, porque existe muito daquela gente que entende que um Francisco, tão cedo, não querem voltar a ver sentado no trono de Pedro.

 A igreja foge das novas culturas, dos novos difíceis tempos que vivemos, como o diabo da cruz.

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