Dois
textos, já neste blogue publicados, mas que, nos tempos difíceis que
atravessamos, vale a pena REOLHAR:
O FINAL DA
GUERRA EM LISBOA
Não houve qualquer meio de impedir os portugueses de, nos primeiros dias de Maio de 1945, virem para as ruas, euforicamente, festejar a vitória dos aliados face à besta nazi.
Tão pouco isso interessava aos propósitos de hipocrisia neutral de Salazar.
Por isso as tolerou.
Sempre esteve com Deus e com o Diabo.
Tinha eu pouco mais de um mês de vida, mas por esses dias por estas ruas, lá andaram o meu avô e o meu pai.
O meu avô contava que, nas ruas, apareceram bandeiras portuguesas, britânicas, norte-americanas, francesas e… bandeiras do Benfica, habilidade, contava ele, utilizada para representarem a bandeira da União Soviética.
Numa entrevista, de que não tenho indicação de nome e data do jornal, José-Augusto França confirma a versão do meu avô:
«Mais tarde, soube que por cá os meus amigos tinham andado em grandes festas e que se fizeram manifestações a festejar a vitória dos aliados, apareceram uns paus sem bandeira e até bandeiras do Benfica. Eram, evidentemente, a homenagem aos aliados soviéticos, cujo nome não podia ser mencionado.»
José Gomes Ferreira, em Intervenção Sonâmbula, também refere o episódio:
«No entanto, o povo berrava nas ruas a sua alegria com
lágrimas e bandeiras (muitos empunhavam apenas paus nus com imaginárias
bandeiras vermelhas da pátria dos sovietes), ainda com alguns ingénuos a
quererem convencer-se de que a mágica queda do salazarismo aconteceria no dia
seguinte.
Quem não dançou, quem não cantou, quem não soltou vivas e morras nessa noite? Mas entre aqueles milhares e milhares de pessoas, recordo-me sobretudo – é curioso como certas imagens sobrenadam na memória em detrimento de outras – recordo-me do Fernando Lopes Graça então 30 anos mais novo, a mancar, com os pés doridos de tanto marchar pelas pedras de Lisboa.
Legenda: fotografia da Fundacionmapfre
O FIM DA GUERRA
O dia 8 de Maio
de 1945 é a data oficial da derrota da Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial.
Os aliados tinham acordado que o dia 9 de Maio de 1945 seria o da celebração da
vitória. Contudo, os jornalistas ocidentais lançaram a notícia da rendição mais
cedo do que o previsto.
A União Soviética manteve as celebrações para a data combinada e, ainda hoje, é
nesse dia que a vitória é celebrada.
Em Lisboa, milhares de pessoas vieram para a rua vitoriar o fim da guerra.
O meu avô muitas vezes me falou desse dia heróico, da alegria, do entusiasmo
dos anti-salazaristas que vieram para a rua com bandeiras inglesas, americanas,
e bandeiras do Benfica que, por vermelhas que são, representavam a União
Soviética, também presente em paus sem qualquer bandeira.
Nunca tive a confirmação da história das bandeiras do Benfica, de que o meu avô
falava, estarem presentes nas manifestações.
Quando pedia uma confirmação ao meu pai, apenas recebia um sorriso.
Passei a ligar o eventual acontecimento aos entusiasmos do meu avô que,
normalmente, se apresentava às pessoas como republicano histórico,
benfiquista e anti-clerical.
Das bandeiras do Benfica não encontrei escritos, mas das bandeiras sem pau,
acabei por encontrar.
Fazem parte da primeira história de O Mundo e os Outros do
José Gomes Ferreira:
«Hoje, no oitavo dia do mês de Maio de mil novecentos e quarenta e cinco,
acabou na Europa a segunda guerra mundial. «Até que enfim!» - zumbiu a meu lado
a voz melíflua dum cavalheiro de olhos acendidos de entusiasmo, de conjuntivite
e lugar-comum.
«Até que enfim!», concordei eu, confuso de alegria, saltando do eléctrico
para me embeber numa multidão ruidosa com bandeirinhas nas mãos, nas tranças
das garotas, nos gritos dos cortejos – Vitória! Vitória – e nos paus de
vassoura sem bandeiras«.
No dia 8 de Maio de 1945 eu tinha 50 dias.
Legenda: Quem se encostar à barra mansa do British-Bar e
olhar a estante das garrafas, verá esta fotografia.
No dia 8 de Maio de 1945, a fachada do BB ostentava as
bandeiras norte-americana, portuguesa e britânica. A outra não
está.
(Em Reolhares vamos publicando textos publicados, nos últimos 15 anos no Cais do Olhar.)


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