quinta-feira, 29 de maio de 2025

O OUTRO LADO DAS CAPAS


Lá para o sul, há um país que dá pelo nome de Alentejo.

Este é um livro que fala do Alentejo ou de quem gosta muito de morrer.

Tenho guardado, há longo tempo, uma história de que não lembro o autor, tão pouco o sítio de onde a tirei:

«Passou a santa vida a beber copos de cinco, no balcão de pé. Mesmo tendo todo o tempo do mundo – como gostava de arrematar – nunca o viram sentado na taberna. Dizia que gostava de estar à altura do momento. E ria-se, ria-se escancaradamente de si mesmo enquanto cismava que afinal, era um homem para consumo próprio.

Estimava igualmente sublinhar que, em coerência com o consumo, era também dono de si próprio.

E assim parecia ser. Corria à boca cheia que sempre que um patrão o tentou abeirar do vexame ou da desfeita: despediu-se. Alardeava depois que não eram só os balcões que o conheciam de pé!

Como não tinha paciência para usar a vida a meias, permaneceu solteirão. Quando a velhice tentou empurrá-lo para a dependência do lar da misericórdia, bradou: serei até ao fim eu o meu único dono. Suicidou-se, igualmente de pé!

(Desaforadamente, depois de morto, a estatística usou-o como mero número para informar que o Alentejo é região contumaz no topo de suicídios.)»

No seu Diário, Miguel Torga tem esta frase:

«Foi a terra alentejana que fez o homem alentejano, e eu quero-lhe por isso. Porque não o degradou, proibindo-o de falar com alguém de chapéu na mão.»

Na contra capa pode ler-se que os factos verdadeiros são os piores.

Mas que factos?

«Faz calor na província dos suicidas. Dá vontade de rir: uma cidade em que até o coveiro se mata… São estatísticas, tudo em números.»

Ou como disse o poeta Mário de Sá Carneiro: «um pouco mais de sol - eu era brasa.» 

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