terça-feira, 27 de maio de 2025

O OUTRO LADO DAS CAPAS


Já mais de uma vez disse, que não irei ter tempo para aqui colocar todos os livros da Biblioteca da Casa.

O livro de Sebastião Salgado, publicado em Fevereiro de 1967, oferta do meu amigo António Abaladas, na Primavera desse mesmo ano, com palavras que dizem: «Imperdível. É saber viver a utupia e não deixar estragar a “Festa”», encontra-se no Outro Lado das Estantes e aguardava vez para ser colocado. Lamentavelmente, chega hoje por um muito triste motivo: Sebastião Salgado, o fotógrafo que gravou em película a desumanidade dos que, apesar de tudo, teimam em sobreviver, deixou-nos há alguns dias.

Para epígrafe do admirável texto que para este livro, também admirável, escreveu, José Saramago foi buscar versos do extraordinário poema de João Cabral de Melo Neto: Vida e Morte Severina

 

«É difícil defender
só com palavras a vida
(ainda mais quando ela é 
esta que vê, severina).»

 

Sempre gostei de fotografia. Aos 15 anos tirava fotografias numa Kodak de brincar. Outras máquinas fui tendo nas faltou-me sempre aquele toque de voo de pássaro que pudesse fazer diferenças.

Luís Eme, registando, no seu Largo da Memória, a morte de Sebastião Salgado, escreveu:

« O desaparecimento de Sebastião Salgado é um bom motivo para falar de fotografia, como arte, mas também como objecto de denúncia, de clarificação, porque o que ele mais gostava de retratar era um mundo desigual e devastador, graças à acção do homem, mas sempre a perseguir a diferença, a encontrar beleza mesmo no "inferno".

Penso que ele chegou onde mais ninguém foi (muitos nunca quiseram ir por aí, até por uma questão de filosofia de vida e do entendimento que tinham da imagem). Onde havia exploração, escravidão, devastação, miséria, ele foi lá, e tirou retratos a tudo e mais alguma coisa, sem estar preso a questões éticas e morais.

No meu caso pessoal, devo dizer que a partir de certa altura, comecei a desinteressar-me pela sua fotografia. Senti que aquilo era tudo muito igual, ou seja, ele já não me surpreendia com a beleza das suas imagens. 

Acho que isso aconteceu quando entrei mais dentro da fotografia. Fui educando o meu olhar, através da prática da fotografia e também de conversas com amigos fotógrafos (as conversas influenciam-nos muito, mesmo sem darmos por isso...), comecei a achar que as imagens de Sebastião eram demasiado encenadas. Até mesmo a miséria humana, não me parecia real, entre outras coisas, mesmo que o fotógrafo brasileiro tivesse sempre a arte como prioridade, no seu olhar...

É por isso que eu digo que a fotografia com Sebastião Salgado, ganha uma beleza única (os seus cinzentos são uma marca...), mas também se torna complexa, enquanto objecto social...»

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