sábado, 17 de maio de 2025

POEMAS AUTOGRAFADOS


Estamos, hoje, com o nº 25 da Colecção Poetas de Hoje, editados pela Portugália Editora.

O poeta é o António Reis mais os seus Poemas Quotidianos.

Quem escreveu o prefácio, quase obrigatório, como disse José Gomes Ferreira, foi o Eduardo Prado Coelho.

«Em António Reis, toda a poesia emerge do silêncio – processo difícil, lento, convulsivo. Porque se trata dum silêncio tenebroso, feito de cegueira e rouquidão, feito de dias alucinados repetidos, feitos de esgares apenas – esse silêncio de pedra que é o quotidiano de muitos.»

A lápis, o livreiro, escreveu, naquele tempo, o quanto custavam Os Poemas Quotidianos: 35$00. Trinta e cinco escudos que, ao câmbio de hoje, são 0, 175 euros. Dá mesmo para acreditar? Dá! E terá que se dizer que aqueles 35 escudos eram tirados de ordenado curtíssimo porque muitos livros da Biblioteca da Casa foram comprados com sacrifícios vários.

Não tenho palavras para vos contar o que foi a alegria, o prazer, o espanto que a leitura destes Poemas me trouxe.

O Eduardo Prado Coelho, no 1º volume de Tudo o Que Não Escrevi, fala assim de António Reis:

«Pensava-o imortal, não sei porquê. Talvez porque nunca o vi envelhecer. Entrou em minha casa há vinte anos – uma casa vagamente «minha», onde morei apenas alguns meses ali para os lados da avenida de Roma. Uma casa que nem me chegou a ser casa, a não ser por duas ou três coisas muito nítidas que nela me aconteceram. Uma delas foi o António Reis. Ele vinha do Porto, não sei se naquele dia ou no meu imaginário, e era alguém que tinha escrito uns poemas de uma extrema sensibilidade, rasantes ao solo, de uma sensibilidade minimalista, a que chamar por isso mesmo Poemas Quotidianos. O meu mérito estava em ter gostado daqueles versos; o erro seria complicá-los demasiado. Desde esse dia que me ligou ao António Reis uma enorme cumplicidade. E isso transbordou para o cinema. Para o Jaime, primeiro. E depois para o Trás-os-Montes.»

Sim, porque António Reis, para além de poeta e professor na Escola de Cinema, foi o cineasta de filmes que realizou com a sua mulher Margarida Cordeiro e escreveu os diálogos para o filme Mudar de Vida de Paulo Rocha.

Maria João Duarte escreveu:

«Não sei se este homem nasceu primeiro poeta ou cineasta.»

Manuel António Pina no Jornal de Notícias escreveu uma crónica «Lembrança De António Reis»:

«Muitos anos antes, tínhamos (eu, o Chico, o Eduardo Guerra Carneiro, o Manuel Bernardo, o Madureira, quase todos já mortos) pouco mais de 20 anos e trazíamos o coração, sob a forma dos Poemas Quotidianos de António Reis, debaixo do braço, partilhando-os nos cafés do Carmo e de São Lázaro  e lendo-os em voz alta pela noite fora no TUP, como uma espécie de senha por que nos reconhecíamos».

António Reis morreu por um Setembro de 1991 e quase não foi notícia. António Cabrita, no Expresso, insurgiu-se contra esse facto, as muitas ausências no funeral, ou como escreveu João Mário Grilo: «chocou-me ver como é que se morre tão sozinho. Foi a enterrar com os amigos, o que também é bonito, mas não sei… o Reis merecia mais, foi alguém de quem fomos testemunhas. Acho que este país lhe deve mais do que lhe pagou.»

É este o poema que António Reis escolheu para Autógrafo da Colecção Poetas de Hoje:

 

Tenho nome

nome

 

tem nome um tecido

um objecto

o vento

 

oh murmúrio

de lábos juntos

no tempo que me esconde

 

António Reis, como epígrafe para os seus Poemas Quotidianos, escreveu uma frase de Saint-Exupéry tirada de A Terra dos Homens:

«Os homens não sabem o que é uma laranja.»

Sem comentários: