Carta de António José Saraiva, datada de Lisboa 23 de
Março de 1958, para Óscar Lopes:
Como se eu não
tivesse já poucos problemas, outros me sobrevieram que me deram grandes dores
de cabeça. O meu sócio da Guilda do Livro, faltando a um compromisso,
recusou-se a pagar-me o fascículo que lhe entreguei na data combinada (o último
dia de Fevereiro, por ele fixado). Sobre esse dinheiro assentava a minha vida,
e contava com ele para cobrir dois meses passados de despesas. Isto colocou-me
numa situação impossível. Tive de aceitar a ajuda dos meus pais e pedir um
pequeno adiantamento sobre dinheiro a haver de um trabalho para a Sá da Costa.
Fiquei fisicamente esfarrapado, cheio de frio, sucumbido, Cortei com o meu
sócio e foram-se por água abaixo todos os planos de proventos editoriais.
Por outro lado
tornaram-se mais agudos os problemas dos meus filhos, especialmente do mais
velho. Estava e está ainda em grande depressão. Teve três negativas, entre elas
um 7; em Física teve um 9, quando o ano passado tivera três 19.
Tudo isto me
obrigou a procurar uma solução empírica para o meu problema. Mandei pôr um divã
no meu escritório em casa, e durmo nele. Pus calaramente a questão à Maria
Isabel. Só me encontro com ela à hora das refeições, enquanto não tiver
dinheiro para comer fora de casa o maior número de vezes possível. Esta
situação não me parece indefinidamente sustentável, nem digna, nem lógica. É um
expediente a que me obrigou o receio de uma queda vertical do rapaz mais velho,
juntamente com a falta de dinheiro.
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