Ainda estamos com a
carta que Mário-Henrique Leiria enviou a «Isabelinha, a doce menina do sorriso
bonito».
Falava do espírito de Natal, mas também disto:
Tive fortes complicações, como deves supor, daí o não te ter escrito.
Por os sítios onde andei fazendo “férias”, agarrei uma série de maleitas
tropicais e sub-tropicais de se lhe tirar o chapéu, Assim apesar de ter
conseguido recuperar-me mais ou menos, fiquei com um joelho (o direito) e um pé
(o esquerdo) totalmente desarranjados, coisa que de vez em quando não me
permite dar um passo e me chateia incrivelmente com dores. Creio que ficarei
coxeando para o resto da vida, o que já não é nada mau, visto que sempre é andar.
A mão direita de vez em quando fica do tamanho de um barril e, zás, não consigo
nem pegar num lápis e o ombro esquerdo, por espírito de equipa, faz o mesmo. Bem,
podia ser muito pior…
Passei também um período de fome, daquela que só se encontra nos
romances neo-realistas de má qualidade. Fome mesmo, fome total… mas não morri.
Quando voltei a esta santa cidade, a única coisa que arranjei foi vender de
porta em porta. E agora vê lá tu o digno exemplo moral que eu sou: ao fim de
seis meses tinha subido de vendedor de porta em porta a gerente técnico da
Editora! Muito bonito! Passei por lay-out man, por art-director e agora aqui
estou manobrando o departamento gráfico, contactos com litografias e
tipografias, arranjos gráficos e etc. Eis um exemplo muito moral para ser
citado no livro único da 3ª classe! Assim tenho um quarto numa casa de
italianos e até almoço! E, às vezes, janto! Espantosos! É claro que todas estas
histórias poderiam ser contadas longamente, com tragédia e muita dignidade mas,
como sabes, não tenho jeito nenhum para isso. E é bom estar vivo, continuar a
lutar, saber que existem muitas meninas como a Ann e muitas mamãs maravilhosas
como tu.
Legenda: fotografia
de João Freire em Lisboa ao Voo doPássaro
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