Burlescas, Teóricas e
Sentiemtais
Mário Cesariny
Colecção Forma nº 7
Editorial Presença,
Lisboa, Julho de 1972
Rua do Ouro
Ai dele que tanto lutou e afinal
Está tão só. Tão sòzinho. Chora.
DIRECÇÃO DA COMPANHIA TANTOS DO TAL.
Cinquenta e três anos. Chove, lá fora.
Chora, porquê? Ora, chora.
Uma crise de nervos, coisa passageira.
É, talvez, pela mulher que o adora?
(A ele ou à carteira?)
Seis horas. Foi-se o pessoal.
O homem que venceu está sòzinho.
Mas reage: que diabo…Afinal...
E olha para o cofre cheínho.
Sim estou só ainda
bem porque não? ele diz
Batendo com os punhos na mesa.
Lutei e venci. Sou
feliz
E bate com os punhos na mesa.
Seis e meia. Ó neurastenia
O homem que venceu está de borco
E sente uma grande agonia
Que afinal é da carne de porco
que comeu no outro dia.
É da carne de porco ele diz
Vendo a chuva que cai num saguão.
É da carne de porco.
Sou feliz.
E ampara a cabeça com as mãos.
Durante toda a vida explorou o semelhante.
Por causa dele arruinaram-se uns cem.
Agora, tem medo. E o farsante
Diz que é feliz diz que está muito bem.
Sim, reage. Que diabo. Terei medo?
E vê as horas no relógio vizinho.
Mas, ai, não é tarde nem cedo.
Ele, que venceu, está sòzinho.
Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros
Os outros, os que o queriam vencer!
Arruinou-os, matou-os aos poucos.
Então não o queriam
lá ver?
Sim, reage: Esta noite a Leonor
Amanhã de manhã o Salemos
e depois? Ah o novo
motor
veremos, veremos,
veremos
Mas pouco do que diz tem sentido.
Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho.
O homem que venceu está vencido.
O dinheiro tapou-lhe o caminho.
Os filhos? Esperam que ele morra.
A mulher? espera que ele morra.
O sócio? Pede a Deus que ele morra!
Só a Anita não quer que ele morra!
Ai, maldita carne, murmura
Vendo a água que há no saguão.
Tinha demasiada
gordura!
E chora de desilusão.
Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se.
Vai sair. Talvez vá jantar?
É inverno. Lá fora, faz frio.
O homem que venceu matou-se
Na margem mais escura do rio
Ao volante dum belo Packard
Sem comentários:
Enviar um comentário