sexta-feira, 30 de março de 2018

COMO EU COSTUMAVA DIZER


Como eu costumava dizer
o amor é mais difícil de nascer nos mais idosos
porque já percorreram
os mesmos velhos trilhos muitas vezes
e depois quando a manhosa agulha se apresenta não tomam o desvio
e devoram a velha via errada enquanto
o alegre
tandem segue em voo
e o maquinista da locomotiva a vapor não reconhece
as novas buzinas eléctricas
e os velhos correm sob o impulso ferrugento cujo fim se encontra
na erva morta onde
as latas ferrugentas e as molas de colchão e as lâminas de barbear usadas jazem
e a via acaba abruptamente ali mesmo
embora as chulipas de madeira continuem por uns metros
e os velhos
dizem para si próprios
Bem
Deve ser este sítio onde temos de nos deitar
E deitam-se mesmo
enquanto a bela carruagem iluminada prossegue lá ao longe
no alto no cimo da colina
com as janelas cheias de céu azul e namorados
com flores e longos cabelos ondulantes
e todos a rirem-se e a dizerem adeus
e a perguntarem-se a si próprios o que aquele cemitério
onde a via acaba
é

Lawrence Ferlinghetti em Como Eu Costumava Dizer

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