Velho dos dias sem sol e das noites sem estrelas
que passas junto a mim apregoando,
apregoando cautelas,
- até quando?
Menina da casa estreita e sem janelas
que vives trabalhando, trabalhando...
- quando virá o Dia, quando?
Quando vier, eu que estou à sua espera
hei-de sentir na minha poesia
um hálito de primavera...
Mas não a primavera dos sonetos de almanaque,
encarcerada em versos bafientos,
em que um sujeito de fraque
desfiava pensamentos...
Meus versos serão límpidos, correntes,
porque se beijam na rua os namorados
e não são indecentes nem decentes
- são simplesmente apaixonados.
Verei janelas rasgadas, fatos limpos,
mãos dadas numa franca simpatia,
- e hei-de sentir a primavera
a desprender-se da minha poesia...
Até lá, um rio de raiva rola, ecoa
nos meus versos, rebenta no meu coração...
E aquele que não me perdoa
que saiba que eu não peço o seu perdão!
Sidónio Muralha em Novo Cancioneiro
Legenda: pintura de
Vanessa Bell
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