Na verdade, já que estou a falar-vos em fim da existência, dir-vos-ei a
ideia de tal fim nunca me perturbou, nem em velho nem em novo. Nunca consegui
adaptar-me à vida e sempre nela vagueei com desagrado, embora sorrindo e até
gracejando. Sempre procurei dar aos outros aquilo que sempre deles desejei
receber mas cada um é um baluarte inacessível. Bate-se à porta e ninguém
responde. Trabalhei a vida inteira e procurei ser útil a quem de mim se aproximava,
o que hoje me é afirmado quando isso vem a propósito. Agora cheguei ao termo
final, mais de trinta e dois mil dias de vida e, presentemente, só estou a dar
incómodos aos outros, sem utilidade de qualquer espécie. Ela que venha pois, a
morte, que será bem recebida. Alguns olhos chorarão por mim, mas com o tempo
tudo passa, e secarão.
Rómulo de Carvalho em
Memórias
Legenda: pintura de
Hugo Simberg
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