Paiol de Pólen
Joaquim Pessoa
Círculo de Leitores,
Lisboa, Agosto de 1983
As casas
Oh as casas as casas as casas suspirou Ruy Belo
Quando olhamos para as casas alguma coisa estremece
alguma coisa chama alguma coisa espera
Olho-te com os olhos das casas respiro-te ao abrir cada janela
e atravesso as portas como se penetrasse o teu corpo
angustiado e nu
conquistando o interior da casa o ventre do teu ventre
soltando meu grito quando o coração em vértice
desce para as mesas
e um fino pó se ouve cair das lâmpadas
Dentro da casa agitam-se as bandeiras do ar
quando os teus passos se moldam ao silêncio
e tudo é escuro espesso e escuro
e nada se passa no meu peito nada em festa corre para as tuas mãos
Se nos olhamos nos olhos olhamos para as casas
porque as casas têm um sol bancos de jardim e lâmpadas
que se acendem apenas com os beijos
Esquecemo-nos de tudo e olhando
construímos as casas
habitamos as casas
amamos as casas
pertencemos às casas
e morremos nas casas procurando conhecer o seu último segredo
sua voz
suas ruínas
As casas vestem o silêncio com uma roupa dura
entregam-no depois em nossas mãos
e permitem-nos palavras boca a boca
e gestos quase puros
porque nenhuma dor magoa a sua própria morte
Todas as casas são
o interior da noite
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