Lisboa, apartamento de um prédio na freguesia das Mercês, século XXI.
Duas irmãs, de 74 e 80 anos, foram encontradas mortas, em avançado estado de decomposição.
A mais nova morreu com um cancro e deixou de prestar assistência à outra irmã, que, acamada, viu-se, de repente, privada de água, de comida, de tudo.
Não lembro quem disse: às vezes, a maior de todas as viagens, é a distância entre duas pessoas.
Viviam muito isoladas e quase não saíam de casa, disseram as vizinhas.
O presidente da junta de freguesia disse que desconhecia a situação das duas idosas.
Os frios números da estatística da câmara municipal, mostram que há dois anos foram encontradas mortas, por abandono e solidão, 60 pessoas e no ano passado esse número subiu para 71.
Hoje, ser velho é uma estatística e um nome…
Cortados os fios do interesse pela vida, resta a inutilidade, a solidão, a pessoa torna-se um fardo, o pior bocado que nos acontece: doenças, fraquezas, humilhações, uma tristeza sem fim.
Envelhecer é não ser preciso.
Quando encontrar o Zé Gomes Ferreira, hei-de dizer-lhe que aquele desabafo que deixou na Imitação dos Dias: Ah! A pena que os velhos têm de deixar o mundo diferente do que encontraram, já não é bem assim, se é que alguma vez foi…
Que mundo andámos a construir?
Legenda: pintura de Van Gogh
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