segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

QUOTIDIANOS


Lisboa, apartamento de um prédio na freguesia das Mercês, século XXI.

Duas irmãs, de 74 e 80 anos, foram encontradas mortas, em avançado estado de decomposição.

A mais nova morreu com um cancro e deixou de prestar assistência à outra irmã, que, acamada, viu-se, de repente, privada de água, de comida, de tudo.

Não lembro quem disse: às vezes, a maior de todas as viagens, é a distância entre duas pessoas.

Viviam muito isoladas e quase não saíam de casa, disseram as vizinhas.

O presidente da junta de freguesia disse que desconhecia a situação das duas idosas.

Os frios números da estatística da câmara municipal, mostram que há dois anos foram encontradas mortas, por abandono e solidão, 60 pessoas e no ano passado esse número subiu para 71.

Hoje, ser velho é uma estatística e um nome…

Cortados os fios do interesse pela vida, resta a inutilidade, a solidão, a pessoa torna-se um fardo, o pior bocado que nos acontece: doenças, fraquezas, humilhações, uma tristeza sem fim.

Envelhecer é não ser preciso.

Quando encontrar o Zé Gomes Ferreira, hei-de dizer-lhe que aquele desabafo que deixou na Imitação dos Dias: Ah! A pena que os velhos têm de deixar o mundo diferente do que encontraram, já não é bem assim, se é que alguma vez foi…

Que mundo andámos a construir?

Legenda: pintura de Van Gogh

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