No dia 17 de Janeiro de 1995, José Saramago escrevia sobre a morte de Miguel Torga:
Sempre se morre demasiado cedo. Miguel Torga sai do mundo aos 87 anos, depois de uma longa e dolorosa doença. Dirão os piedosos que foi um alívio para ele, os resignados que já vivera bastante, os pragmáticos que a sua obra estava feita. Todos têm razão, nenhum a tem toda - se a minha opinião serve para alguma coisa. Porque há uma diferença entre estar morto Torga e estar Torga vivo. Talvez ele já não tivesse muito para dizer: chega sempre o momento em que a energia da palavra se esgota. Além disso, sabemos que a morte não poderá apagar nenhuma das palavras que escreveu. O que extingue a vida e os seus sinais, não é a morte, mas o esquecimento. A diferença entre a morte e vida é essa. O que mais conta para nós, neste caso, é outra diferença muito mais humana: a diferença entre estar e não estar. Podia Torga não escrever uma linha mais - mas estava aí. E agora deixou de estar.
Não conheci Miguel Torga. Nunca o procurei, nunca lhe escrevi. Limitei-me a lê-lo, a admirá-lo muitas vezes, outras não tanto. Foi só de leitor a minha relação com ele. Algumas vezes, nestes últimos tempos, os nossos nomes apareceram juntos, e sempre que tal sucedia não podia evitar o pensamento de que o meu lugar não era ali. Por uma espécie de superstição induzida pela pessoa que foi e pela obra que criou? Não creio. O motivo é certamente muito mais subtil do que aquele que se poderia deduzir de um mero balanço de qualidades suas e defeitos meus. Achava que havia em Torga algo que eu gostaria de ter, e não tinha: o direito ganho por uma obra com uma dimensão em todos os sentidos fora do comum, a música profunda de uma sabedoria que nascera da vida e que à vida voltava, para não se tornarem, ambas, mais ricas e generosas. Que Torga não era generoso, dizem-no. Mas eu falo de outra generosidade, a que se entranha nesse movimento de vaivém que em raríssimos casos une o homem à sua terra e a terra toda ao homem.
Não conheci Miguel Torga. Nunca o procurei, nunca lhe escrevi. Limitei-me a lê-lo, a admirá-lo muitas vezes, outras não tanto. Foi só de leitor a minha relação com ele. Algumas vezes, nestes últimos tempos, os nossos nomes apareceram juntos, e sempre que tal sucedia não podia evitar o pensamento de que o meu lugar não era ali. Por uma espécie de superstição induzida pela pessoa que foi e pela obra que criou? Não creio. O motivo é certamente muito mais subtil do que aquele que se poderia deduzir de um mero balanço de qualidades suas e defeitos meus. Achava que havia em Torga algo que eu gostaria de ter, e não tinha: o direito ganho por uma obra com uma dimensão em todos os sentidos fora do comum, a música profunda de uma sabedoria que nascera da vida e que à vida voltava, para não se tornarem, ambas, mais ricas e generosas. Que Torga não era generoso, dizem-no. Mas eu falo de outra generosidade, a que se entranha nesse movimento de vaivém que em raríssimos casos une o homem à sua terra e a terra toda ao homem.
Demasiado cedo morreu Miguel Torga. Compreendo agora quanto gostaria de tê-lo conhecido. Demasiado tarde.
Em Cadernos de Lanzarote, Vol. III
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