Sou uma pessoa pacata e não tenho muito o hábito de exteriorizar a minha indignação. Faço-o, geralmente, para mim próprio ou en passant e se vem a propósito, para algumas das pessoas que me são mais próximas.
É claro que me indignei com o despudor do nosso Presidente da Republica… Mas desde o dia em que foi eleito pela primeira vez fiz a mim próprio o voto de procurar, a todo o custo, ignorar que Portugal tinha um Presidente da República chamado Aníbal Cavaco Silva.
É claro que me indignam muitas das decisões arbitrárias e oportunistas do actual Governo. É o contexto, dizem sempre, parecendo ignorar que existem não apenas uma, mas várias formas de dar volta ao texto….
Cumpri a minha obrigação e não votei neles. Como não votei em nenhum dos outros… Esse voto em branco não me rendeu nada, a não ser uma consciência mais tranquila e uma amolgadela na lateral do meu carro feita por minha exclusiva responsabilidade…
Indignando-me para dentro não me manifesto tanto para fora e há outros que, quase sempre com razão, o fazem em permanência e bem melhor do que eu poderia alguma fez fazer, como é o caso do proprietário deste blogue…
Não me encontrarão, portanto, a marchar na Avª da Liberdade nem a atirar pedras em S. Bento…
Mas a minha indignação de hoje vou ter de a exteriorizar, dê lá por onde der, porque sei que somos muito poucos aqueles que estão em condições de o fazer.
Vou procurar sintetizar.
A Cinemateca Portuguesa começou este mês a passar a totalidade dos sessenta e picos episódios de Cineastes, de Notre Temps, a célebre série documental que se iniciou em meados dos anos sessenta pela mão de Janine Bazin e André. S. Labarthe.
É uma obra monumental, diria até mítica para a maioria dos cinéfilos que se perguntavam se alguma vez teriam a oportunidade de lhe pôr a vista em cima, tirando os dois ou três episódios que já tinham sido programados, anteriormente, pela Cinemateca.
É uma oportunidade única para vermos e ouvirmos os maiores Cineastas então ainda vivos falarem dos seus filmes: Ford, Stroheim, Sternberg, Walsh, Capra. Cukor, Vidor, Mamoulian, Kazan, Lewis, Cassavetes, etc, só para dar apenas alguns exemplos dos americanos ou dos que por lá fizeram uma parte importante da sua obra.
É a oportunidade para ouvirmos interessantíssimos testemunhos sobre aqueles que já partiram: Vigo, Guitry, Becker, só para falar nos episódios que já vi.
Uma verdadeira preciosidade!
E como é que responderam os cinéfilos desta cidade a esta iniciativa…?
O máximo que contei até agora, nas quatro sessões a que já assisti, foram dezoito pessoas, o que talvez não chegue para encher uma fila da Sala Félix Ribeiro…
Ontem, contei quatro no início do documentário sobre Jacques Becker e mais duas no final, que devem ter chegado a meio do filme…
André S. Labarthe esteve para vir a Lisboa apresentar alguns episódios desta série, mas acabou por ficar retido em Paris…
Que diria ele se tivesse visto dezoito pessoas sentadas na maior sala da Cinemateca Portuguesa? Que ficaria ele a pensar da Cultura e da Cinéfilia deste País e desta Cidade…?
Onde estão os Cinéfilos…?
Ontem talvez estivessem a ver o Barcelona – Real de Madrid, que admito que também seja um bom espectáculo…
Mas nos outros dias?...
E a malta que se entretem, por vezes com grande conhecimento e competência, a falar de Cinema nos blogues, no Twiter, no FaceBook, no My Space, onde estão eles…?
E os críticos de Cinema deste País?... Já viram tudo?...
Tenho a certeza que não porque, tirando uma retrospectiva feita em 2011 no Centre Pompidou, esta série é, hoje, pouco mais que invisível…
A culpa deve ter sido da Cinemateca… Se os tivesse convidado para um drink e lhes tivesse entregue um Press Book com a papinha toda feita, outro galo cantaria…
Um escândalo e uma vergonha!
Perguntam-me se digo isto de uma forma totalmente altruísta e estou, em boa verdade, muito preocupado com o futuro da cinéfilia em Portugal…?
Sim e não….
Estou-me completamente nas tintas para os filmes que as pessoas vão ver ou deixam de ir ver, os DVD’s que compram ou deixam de comprar…
Mas sei que paira uma espada de Dâmocles sobre a cabeça da Cinemateca….
Sei que há gente interessada em apertar-lhe ainda mais o pescoço e, se possível, cortar-lhe, de vez, o pio…
Se a Cinemateca Portuguesa for obrigada a reduzir ainda mais as suas sessões ou até, quiçá, fechar de vez as suas portas, aí acreditem que já me preocupo, e muito…
Puro egoísmo, portanto, como podem perceber…
Mas, se calhar, sou demasiado pessimista e não haverá qualquer problema se esse cenário mais negro se concretizar…
Tal como os outros tinham sempre Paris, nós teremos sempre a blogosfera para poderemos evocar os filmes das nossas vidas, citar cenas e diálogos de cor, lembrar as músicas, numa palavra, cantar este nosso genuíno e verdadeiro Amor pelo Cinema…
Desculpem lá, mas estou mesmo lixado! Para não dizer outra coisa que, num blogue tão delicado como este, cairia certamente mal…
Coloboração de Luís Miguel Mira
2 comentários:
Mesmo falando com nós próprios, já não nos estamos a calar, já não estamos a desistir.
Ninguém nos ouve? Importa pouco!
A Cinemateca, tal como a conhecemos, tem os seus dias contados, a data será apenas uma questão de agenda governativa.
Em devido tempo a directora evitou comentar a inclusão da Cinemateca na lista de entidades a extinguir, o secretário de estado da cultura transmitiu não ter declarações a prestar.
Claro que este governo, qualquer governo, não necessita de motivos para pontapear a cultura., mas as assistências da Cinemateca caem como sopa no mel.
Custa muito ver pessoas, de quem se tinha a ideia de preservavam a cultura, serem os coveiros dessa mesma cultura.
A cultura custa dinheiro mas tanto como me ensinaram, não tem que gerar lucros como o Pingo Doce ou qualquer outra coisa parecida.
A cultura não é um direito, é uma obrigação.
Os tempos são de crise, é certo, mas o que se torna difícil é ter, ao mesmo tempo, ter dinheiro para cultura e para aos muitos-catrogas deste país.
Viver assim também cansa, como dizia o velho Zé Gomes.
Pois é...
Mas se não fizermos o nosso papel e dissermos "presente!" quando é necessário, é como que uma pazada de areia que estivéssemos a deitar...
Talvez por ter sido às 19H00, a sessão de hoje estava mais composta: aí umas 25 pessoas...
Abraço!
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