quinta-feira, 14 de julho de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA


“Campismo selvagem no cruzamento para ChacapalaAinda não era tempo de almoçar, mas num ou outro retiro da estrada, labaredas de fogo brotavam por entre estranhos montículos de seixos, dispostos em forma de pirâmide sobre uma grelha metálica. A curiosidade levou-nos a perguntar qual o objectivo daquele estranho foguear e ficámos a saber que, sendo Domingo, era dia de pachamanca, um prato típico da região, cozinhado com as pedras incandescentes…

Em Sincos, um restaurante de beira da estrada anunciava pachamanca para o almoço. A fogueira lá estava, incandescendo os seixos e pedras amontoadas. O mestre da fogueira esclareceu que dentro de meias hora dar-se-ia início ao cozinhado tradicional que, 45 minutos depois, estaria pronto para comer.

Passada a meia hora vaticinada, com grandes ganchos de ferro, foi retirada a grelha de metal que suportava o monte de pedras incandescentes. Na cova onde o brasido ainda fumegava, foram colocadas camadas de batatas com a pele e pedras; depois seguiram-se as carnes: frangos inteiros, grandes nacos de carne de vaca e cuys, mais uma vez intercalados com pedras em brasa; sucedeu-se uma grande quantidade de humitas, de permeio com as inevitáveis pedras e seixos. Concluída esta fase, uma grossa camada de erva verdejante foi espalhada por cima da pirâmide de comida e, sobre a erva, um grande saco de rede cheio de vagens de favas, completava as iguarias da pachamanca. Agora faltava cobrir tudo a preceito, primeiro com sacos de ráfia a partir do cimo, depois um grande plástico envolveu todo o monte de comida, sendo laboriosamente atado em toda a volta. Restava esperar impacientemente os 45 minutos de cozedura, antes de nos lançarmos ao promissor repasto…”






“E enquanto o misterioso monte de comida ia, em segredo, cumprindo o ritual ancestral, nós tagarelávamos com a Estefanie e a Geraldine, miúdas colegiais de 15 e 17 anos, surpreendentemente maduras, especialmente a Geraldine, estudante de arquitectura, completamente fascinadas pela “oportunidade” de conhecerem e falarem assim com duas personagens tão impares como nós. Mas durante a espera para o almoço, toda a demais família passou pelo palratório, com enorme boa disposição e descontracção. E não faltou uma nota intimista, confessando ser esta a primeira pachamanca que cozinhavam há mais de uma ano – desde a morte da avó da Geraldine…”






“Se “amontoar” a comida e as pedras tinha sido um ritual disciplinado mas divertido, então “desmontar” a montanha de comida, com todos a esticarem o braço, a separarem as pedras da comida, rapando as pequenas lascas de carne ou das humitas incrustadas nas pedras, lambendo os dedos gordurosos, sentindo os aromas desprenderem-se da terra e inundarem o olfacto, foi um cerimonial de fazer inveja.”







“O prato transbordava de deliciosa comida. Mas as humitas, tão suaves e adocicadas, e o cuy, tenro, dourado e estaladiço, não tinham paralelo… e a chicha morada – uma bebida feita a partir de milho rei fermentado – soube melhor que nunca.”







“A abarrotar de comida, de simpatia e amabilidade daquela família, o almoço culminou com uma contagiante sessão de fotografias, em que todos queriam tirar fotos com as bicicletas e os gringos como cenário. E no fim ainda tive de prometer à Geraldine que – na falta de filhos – quando comprar outra bicicleta a baptizarei de Geraldine, tendo ela prometido, de moto próprio, que se tiver um filho lhe chamará Idílio!! Pouco importa como se chamará a minha próxima bicicleta ou o filho da Geraldine…”

Testo e imagens de Idílio Freire

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