terça-feira, 26 de março de 2019

O MEL EM BRASA


Traçaram-lhe o perfil ao sair da água.
Não era nadador
Nem os seus pulmões conheciam o ar da clausura
Isso que está por baixo
E só o próprio sabe controlar tão bem
Como no sono.

Por vezes os seus gestos eram jactos
De fogo.
Houve quem dissesse
Que os seus poemas balavam os túmulos
Levedavam a vida
E sagravam o corpo numa ostentação
De jóias e artérias.

Tive a sorte de vê-lo
Quando se dirigia ao local prévio
Onde fundia a sede
E levava à boca um pequeno vaso
De limalha.
Não era o seu ofício, aquilo,
Não era ainda o fogo, a grata labareda
Que lhe saía do peito.

Assim se permitia mover os dedos
Com uma estranha timidez que não vem nos livros
Abafando os relâmpagos ao nível dos castiçais
Para que se ouvisse a voz primeiro
Que a dança.

Não trocámos palavras nem sedas de circunstância.
Olhámos os dois em frente.
E eu não sabia onde ocultar a pedra
De mim próprio.

Armando Silva Carvalho de Sol a Sol em O Que Foi Passado a Limpo

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