Paramos, hoje,
em duas cartas de António Ramos Rosa para Jorge de Sena em que
volta a referir
as tremendas dificuldades económicas em que vivia.
António Ramos
Rosa, para além de poeta admirável, do melhor que a nossa literatura possui,
era um homem amável e sincero, de uma humildade desconcertante.
No findar da
carta, datada de 13 de Agosto de 1958, pergunta a Jorge de Sena se recebeu o
seu livro «O Grito Claro»:
«Recebeu o meu livrinho? Vi-me obrigado a fazer essa
selecção porque as massas não chegavam para o livro completo. Fiz mal? Mesmo
assim, fiquei inteiramente depenado. Vamos a ver se se vende.»
Tomem nota:
por falta de massas Ramos Rosa não publicou o livro que tinha entre mãos, o
livro que deveria ser publicado.
No dia seguinte
envia outra carta:
«Aí lhe mando um poema que lhe é especialmente
delicado que me levou a escrever as palavras de admiração que lhe dirigi ontem.
Não ponha em dúvida a minha sinceridade do que ultrapassa de muito longe a pura
amabilidade. Não o enganará decerto o tom dos meus versos, fracos porventura,
mas onde eu creio perpassa algo de puro e genuíno. Eles foram inesperados. Há
mais de cinco, seis ou sete meses que eu não escrevia um verso. Quase me sinto
feliz – e duplamente por eles terem nascido para si. É decerto um sangue novo
que aflui, não só à minha poesia, mas a esse diálogo que eu julgo não
interrompido entre nós. Ainda bem e oxalá V. esteja de acordo comigo. É claro,
digo isto, independentemente do valor real que se possa atribuir a esta minha
poesia. Pode V. fazer dela o que entender, mas eu tinha empenho em que ela
fosse publicada, para público testemunho duma gratidão que neste caso
ultrapassa qualquer pessoalismo. Como não posso inteiramente descurar o lado
material da questão, sugeriria que a publicasse na pág. lit. Do Diário de
Notícias *, pois encontrando-me neste período de Verão, quase sem trabalho,
como é habitual, muito jeito me fazia esse negócio. Claro, o negócio é por
acréscimo, mas tem urgência.
*Há tempos pedi a este jornal que, na secção «Ronda»,
anunciasse o meu livrinho: até agora nada. Há anos enviei para lá um artigo, em
carta registada, dirigida a Natércia Freire e também não o publicaram nem me
responderam.»
Segue-se o poema
que Ramos Rosa dedica a Sena e que foi publicado no Diário de Notícias de
4 de Setembro de 1958, Certamente não seria publicado se Jorge de Sena não
tivesse feito diligência junto da matriarca Natércia. «Já lho pagaram?,
pergunta ainda Sena em carta de 28 de Setembro.
Legenda:
reprodução da 1ª edição de O Grito Claro, tirada de In-Libris
Sem comentários:
Enviar um comentário