Uma sinistra e
insignificante criatura, ao tempo funcionário da censura salazarista, assina,
como Capitão Borges Ferreira, o despacho que determinou que o livro Vagão “J”,
da autoria de Vergílio Ferreira, não poderia ser lido..
As ditas
«razões» do militar Ferreira, são estas:
«Parece que o
autor esteve em qualquer vila ou aldeia, e escolheu para protagonista do seu
romance a família mais asquerosa do povoado – a família Borralho.
É uma família de degenerados,
sem escrúpulos, sem caracter, sem dignidade, constituida por pae, mãe
e muitos filhos, dormindo todos no mesmo quarto, em que os pais têm relações sexuais
deante dos filhos, sem o mais leve pudor de parte a parte.
A filha mais velha, que a certa altura foi servir para
uma casa rica, era induzida pela mãe a roubar a patroa e a
ter relações sexuais com o filho da casa, para obter
recompensas.
De vez em quando o autor salienta a questão
social, pondo em destaque a diferença entre ricos e pobres e mostrando bem o
rancor que se apodera dos segundos pelos primeiros, quando postos em presença
uns dos outros.
O romance gira todo em volta destas misérias sociais,
como se pode ver com facilidade em diferentes paginas que vão assinaladas.
Em vista do exposto, sou de opinião que o livro
não deve ser publicado.»
Vagão “J" é uma
das poucas incursões de Vergílio Ferreira pelo neo-realismo antes de encetar os
caminhos do existencialismo.
No findar do
romance Gorra desafia:
«- Vocês vêm
todos pra Lisboa, sempre tenho a família ao pé. Trabalho sempre se há-de
arranjar.
Não Gorra,
Lisboa é longe.
- Aldemenos lá
ninguém nos conhece, porque isto é mesmo uma porcaria de terra, a gente não
pode dar um traque que se não saiba logo.
Calhau também
tinha muitos projectos na cabeça e pô-los pràli todos, Gorra foi-os examinando
um por um e Joaquina transbordava de alegria. Nunca saíra daqueles sítios e que
espanto quando entrou na carruagem de terceira!, Calhau ainda inquiriu se não haveria lugar
mais barato, só se fores no Vagão Jota, disse o Gorra e riu.
- Atão vamos
nesse, canudo, sempre se forra alguma coisa.
- Homem, isso é
pràs bestas.»
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