domingo, 3 de março de 2019

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Uma sinistra e insignificante criatura, ao tempo funcionário da censura salazarista, assina, como Capitão Borges Ferreira, o despacho que determinou que o livro Vagão “J”, da autoria de Vergílio Ferreira, não poderia ser lido..

As ditas «razões» do militar Ferreira, são estas:

«Parece que o autor esteve em qualquer vila ou aldeia, e escolheu para protagonista do seu romance a família mais asquerosa do povoado – a família Borralho.
É uma família de degenerados, sem escrúpulos, sem caracter, sem dignidade, constituida por pae, mãe e muitos filhos, dormindo todos no mesmo quarto, em que os pais têm relações sexuais deante dos filhos, sem o mais leve pudor de parte a parte.
A filha mais velha, que a certa altura foi servir para uma casa rica, era induzida pela mãe a roubar a patroa e a ter relações sexuais com o filho da casa, para obter recompensas.
De vez em quando o autor salienta a questão social, pondo em destaque a diferença entre ricos e pobres e mostrando bem o rancor que se apodera dos segundos pelos primeiros, quando postos em presença uns dos outros.
O romance gira todo em volta destas misérias sociais, como se pode ver com facilidade em diferentes paginas que vão assinaladas.
Em vista do exposto, sou de opinião que o livro não deve ser publicado.»

Vagão “J" é uma das poucas incursões de Vergílio Ferreira pelo neo-realismo antes de encetar os caminhos do existencialismo.

No findar do romance Gorra desafia:

«- Vocês vêm todos pra Lisboa, sempre tenho a família ao pé. Trabalho sempre se há-de arranjar.
Não Gorra, Lisboa é longe.
- Aldemenos lá ninguém nos conhece, porque isto é mesmo uma porcaria de terra, a gente não pode dar um traque que se não saiba logo.
Calhau também tinha muitos projectos na cabeça e pô-los pràli todos, Gorra foi-os examinando um por um e Joaquina transbordava de alegria. Nunca saíra daqueles sítios e que espanto quando entrou na carruagem de terceira!,  Calhau ainda inquiriu se não haveria lugar mais barato, só se fores no Vagão Jota, disse o Gorra e riu.
- Atão vamos nesse, canudo, sempre se forra alguma coisa.
- Homem, isso é pràs bestas.»

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