Número Especial
de Homenagem a Alves Redol
Vértice
nº322-23/Novembro-Dezembro de 1970
Coimbra,
Dezembro de 1970
Londres, domingo 30
Esta manhã chegou-me o telegrama da Edite. Morreu o
Redol. Fiquei diante da janela do quarto, a olhar, ou a não olhar, sei lá, o
pátio coberto de neve - e tudo branco, tudo puro, o nada, e a notícia ali na
minha mão a dizer-me que tínhamos' perdido o nosso velho António, o nosso
querido e paciente amigo.
Não adianta, bem sei, desabafar-se assim. Mas na morte
de qualquer escritor português digno há sempre um remorso do tempo, sempre. Há
um outro cancro que vem detrás e que é a injustiça e o suportar em silêncio. E esse
mal, quando não vence uma verdade interior, mata primeiro do que o vírus
decretado pelas certidões de óbito.
As vezes que falámos nisto, eu e o Redol. Ainda há
pouco, numa carta em que se despedia de mim para sempre, lá vinha esta
verificação magoada e terrivelmente simples: «Sou um dos que vai morrer na
incomunicabilidade com o seu tempo».
José Cardoso
Pires, «Carta aos Amigos Comuns».
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