Perguntaram-lhe:
Assume-se como um homem de esquerda, foi preso
político antes do 25 de Abril de 1974, foi militante de um partido político.
Nestes anos que levamos de democracia a sua visão da sociedade alterou-se?
Respondeu:
A sociedade alterou-se muito. Hoje vivemos um pouco
num mundo de ficção científica; o mundo em 2010 não tem nada que ver com o
mundo da minha juventude. As certezas que na altura tinha, um pouco próprias da
teimosia juvenil que se interroga pouco, mas também porque o mundo parecia ter
uma configuração completamente diferente e os acontecimentos pareciam dar razão
à minha visão do mundo, acabaram por demonstrar que nem sempre era assim. Penso
que a diferença entre esquerda e direita faz cada vez mais sentido, faz todo o
sentido. Não se trata de quem se senta à direita do rei, mas da distinção entre
esquerda e direita, em que à primeira estão associados os movimentos de
transformação que querem melhorar a vida de todos e à segunda respeitam aqueles
que querem perpetuar a exploração de uns por outros e a humilhação, o poder do
dinheiro, dos exércitos. Há ao longo da História uma distinção muitíssimo clara
entre as duas. A direita funciona naturalmente através do preconceito; a
direita está naturalmente ao lado dos mais fortes; a direita está naturalmente
contra as mudanças. Por mais que se arvorem em direita moderna, quando chega a
hora dos grandes confrontos e das grandes decisões a direita está sempre do
lado errado da História, pelo lado dos maus instintos. Quando digo isto não
quero dizer que as pessoas tenham maus instintos; há pessoas de direita que são
excelentes pessoas. Refiro-me à inserção social, à inserção na História e a
direita representa o lado histórico dos maus instintos. É, por exemplo, o lado
de quem, durante todo o século XIX esteve contra a liberdade de expressão,
contra a liberdade de reunião, contra a liberdade de imprensa, contra a
liberdade sindical. Esse é o lado da direita.
Entrevista de
Mário de Carvalho feita por Ana Goulart e publicada na Seara Nova nº
1712, Verão de 2010.
Legenda: Mário
de Carvalho
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