quinta-feira, 7 de março de 2019

À CONVERSA


Perguntaram-lhe:

Assume-se como um homem de esquerda, foi preso político antes do 25 de Abril de 1974, foi militante de um partido político. Nestes anos que levamos de democracia a sua visão da sociedade alterou-se?

Respondeu:

A sociedade alterou-se muito. Hoje vivemos um pouco num mundo de ficção científica; o mundo em 2010 não tem nada que ver com o mundo da minha juventude. As certezas que na altura tinha, um pouco próprias da teimosia juvenil que se interroga pouco, mas também porque o mundo parecia ter uma configuração completamente diferente e os acontecimentos pareciam dar razão à minha visão do mundo, acabaram por demonstrar que nem sempre era assim. Penso que a diferença entre esquerda e direita faz cada vez mais sentido, faz todo o sentido. Não se trata de quem se senta à direita do rei, mas da distinção entre esquerda e direita, em que à primeira estão associados os movimentos de transformação que querem melhorar a vida de todos e à segunda respeitam aqueles que querem perpetuar a exploração de uns por outros e a humilhação, o poder do dinheiro, dos exércitos. Há ao longo da História uma distinção muitíssimo clara entre as duas. A direita funciona naturalmente através do preconceito; a direita está naturalmente ao lado dos mais fortes; a direita está naturalmente contra as mudanças. Por mais que se arvorem em direita moderna, quando chega a hora dos grandes confrontos e das grandes decisões a direita está sempre do lado errado da História, pelo lado dos maus instintos. Quando digo isto não quero dizer que as pessoas tenham maus instintos; há pessoas de direita que são excelentes pessoas. Refiro-me à inserção social, à inserção na História e a direita representa o lado histórico dos maus instintos. É, por exemplo, o lado de quem, durante todo o século XIX esteve contra a liberdade de expressão, contra a liberdade de reunião, contra a liberdade de imprensa, contra a liberdade sindical. Esse é o lado da direita.

Entrevista de Mário de Carvalho feita por Ana Goulart e publicada na Seara Nova nº 1712, Verão de 2010.

Legenda: Mário de Carvalho

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