Memória das Minhas Putas Tristes
Gabriel Garcia
Márquez
Tradução: Maria
do Carmo Abreu
Capa: Henrique
Cayatte
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, Fevereiro de 2005
No ano dos meus noventa anos quis oferecer a mim mesmo
uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei-me de Rosa
Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar os seus bons
clientes quando tinha uma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a
nenhuma das suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza
dos meus princípios. A moral também é uma questão de tempo, dizia com um
sorriso maligno, tu verás. Era um pouco mais nova do que eu e não sabia dela há
tantos anos que bem podia já ter morrido. Mas ao primeiro toque reconheci a sua
voz ao telefone e disparei sem preâmbulos:
- Hoje sim.
Ela suspirou: Ai, meu sábio triste, desapareces vinte
anos e só voltas para pedir impossíveis. Recuperou de imediato o domínio da sua
arte e ofereceu-me uma meia dúzia de opções deliciosas mas, isso sim, todas
usadas. Insisti que não, que devia ser donzela e para essa mesma noite. Ela
perguntou, alarmada: O que queres provar a ti mesmo? Nada, respondi-lhe,
magoado no que mais me doía, sei muito bem o que posso e o que não posso. Ela
disse impassível que os sábios sabem tudo, mas nem tudo: os únicos Virgens que
vão restando no mundo são vocêss, os de Agosto. Porque não me encomendaste com
mais tempo? A inspiração não avisa, disse eu. Mas talvez espere, disse ela,
sempre mais sabida do que qualquer homem, e pediu-me nem que fossem dois dias
para esquadrinhar a fundo o mercado. Repliquei-lhe muito a sério que num
negócio como aquele, na minha idade, cada hora é uma ano. Então não se pode, disse
ela sem a mínima hesitação, mas não importa, assim é mais emocionante, carago,
telefono-te daqui a uma hora.
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