segunda-feira, 18 de março de 2019

OLHAR AS CAPAS


Memória das Minhas Putas Tristes

Gabriel Garcia Márquez
Tradução: Maria do Carmo Abreu
Capa: Henrique Cayatte
Publicações Dom Quixote, Lisboa, Fevereiro de 2005

No ano dos meus noventa anos quis oferecer a mim mesmo uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei-me de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar os seus bons clientes quando tinha uma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma das suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza dos meus princípios. A moral também é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, tu verás. Era um pouco mais nova do que eu e não sabia dela há tantos anos que bem podia já ter morrido. Mas ao primeiro toque reconheci a sua voz ao telefone e disparei sem preâmbulos:
- Hoje sim.
Ela suspirou: Ai, meu sábio triste, desapareces vinte anos e só voltas para pedir impossíveis. Recuperou de imediato o domínio da sua arte e ofereceu-me uma meia dúzia de opções deliciosas mas, isso sim, todas usadas. Insisti que não, que devia ser donzela e para essa mesma noite. Ela perguntou, alarmada: O que queres provar a ti mesmo? Nada, respondi-lhe, magoado no que mais me doía, sei muito bem o que posso e o que não posso. Ela disse impassível que os sábios sabem tudo, mas nem tudo: os únicos Virgens que vão restando no mundo são vocêss, os de Agosto. Porque não me encomendaste com mais tempo? A inspiração não avisa, disse eu. Mas talvez espere, disse ela, sempre mais sabida do que qualquer homem, e pediu-me nem que fossem dois dias para esquadrinhar a fundo o mercado. Repliquei-lhe muito a sério que num negócio como aquele, na minha idade, cada hora é uma ano. Então não se pode, disse ela sem a mínima hesitação, mas não importa, assim é mais emocionante, carago, telefono-te daqui a uma hora.

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