sexta-feira, 29 de março de 2019

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Quando comprei o Segundo Livro de Crónicas do António Lobo Antunes disseram-me que tinha direito a levar um seu livrinho que dava pelo nome de Letrinhas de Cantigas.

Dedicatória do livrinho:

«Ao Vitorino, para quem estas letrinhas foram escritas, quase todas em toalhas de papel de restaurante.»

Provavelmente, tal como conta António Lobo Antunes numa das suas crónicas:


Lê-se nos créditos do livrinho:

«Esta edição (inédita e irrepetível) comemorativa dos 20 anos de Trabalho de António Lobo Antunes com as Publicações Dom Quixote, não pode ser vendida, destinando-se exclusivamente a oferta aos compradores de outras obras do autor.»

O livro é composto por 55 letrinhas que deram, podem dar coladeiras, boleros, rumbas, valsas que podem ser lentas, minuetes, fados de Coimbra, berceuses, cantochão, fox-trots, marchas militares, passodobles, mornas.

Das letrinhas, Vitorino escolheu algumas e fez um disco a que chamou «Eu Que Me Comovo por Tudo e por Nada».

É este o alinhamento do disco:

01. Bolero do Coronel Sensível Que Fez Amor em Monsanto
02. Ana I
03. Todos os Homens são Maricas Quando Estão Com Febre
04. Branco
05. Aos Maridos
06. Canção Para a Minha Filha Isabel Adormecer Quando Tiver Medo do Escuro
07. Tango do Marido Infiel numa Pensão do Beato
08. Fado da Prostituta da Rua de St. António da Glória
09. Rua do Quelhas
10. Valsa das Viuvas da Pastelaria Benard
11. E Se Eu Não Te Amar Mais
12. Marcha da Alcântara
13. Ana II

Bolero do Coronel Sensível Que Fez Amor em Monsanto

Eu que me comovo
por tudo e por nada
deixei-te parada
na berma da estrada
usei o teu corpo
paguei o teu preço
esqueci o teu nome
limpei-me com o lenço
olhei-te a cintura
de pé no alcatrão
levantei-te as saias
deitei-te no banco
num bosque de faias
de mala na mão
nem sequer falaste
nem sequer beijaste
nem sequer gemeste,
mordeste, abraçaste
quinhentos escudos
foi o que disseste
tinhas quinze anos
dezasseis, dezassete
cheiravas a mato
á sopa dos pobres
a infância sem quarto
a suor, a chiclete
saíste do carro
alisando a blusa
espiei da janela
rosto de aguarela
coxa em semifusa
soltei o travão
voltei para casa
de chaves na mão
sobrancelha em asa
disse: fiz serão
ao filho e à mulher
repeti a fruta
acabei a ceia
larguei o talher
estendi-me na cama
de ouvido à escuta
e perna cruzada
que de olhos em chama
só tinha na ideia
teu corpo parado
na berma da estrada
eu que me comovo
por tudo e por nada.


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