sexta-feira, 1 de março de 2019

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Dulcíssima cidade.

Branca?

Tanner diz que sim.

Branco é o silêncio, a solidão, o encantamento, a violência, o feitiço a nostalgia, a amargura, o deslumbramento.

Tudo branco?

Tanner diz que sim.

Lisboa ao voo do pássaro como diria o Mário-Henrique Leiria.

Um rio que se atreve a ser mar.

Cheiros. Gentes. Mãos que encontram outras mãos, mãos que ajudam, desajudam.

Paulo Nogueira, ao tempo da estreia do filme, escreveu que a felicidade só está disponível para quem sabe parar. Tanner pergunta todo o tempo se as cidades gostam dos homens.

Paul é um marinheiro que trabalha na casa das máquinas de um navio que aporta a Lisboa.

De um poema de Eugénio de Andrade:

Os navios existem
e existe o teu rosto encostado
ao rosto dos navios

Paul desembarca e embrenha-se na cidade. Entra num bar e depara na parede com um relógio cujos ponteiros rodam ao contrário. Nada, de facto, é tão permanente em relação a um barco, como a próxima rota da sua viagem.

António Reis deixou versos em que dizia que há sempre um rapaz triste com lágrimas nos olhos frente a um barco.

Paul resolve deixar partir o barco e ficar na cidade. 

Talvez o primeiro dia do resto da sua vida.

A Cidade Branca sofre um pouco da tristeza que é a nossa, ressalta a ternura que ansiamos e procuramos indefinidamente.

Volto à superfície, Stop; Rosa partiu não sei para onde, Stop; o único país de que gosto verdadeiramente é o mar, Stop; amo-vos, Stop; beijo-te ternamente, Stop; o corpo duma mulher é demasiado grande, Stop; a recordação e o esquecimento têm a mesma origem, Stop; as mulheres são demasiado belas, stop; os comboios não partem à tabela, Stop; não sei mais do que dantes, Stop.,  escreve Paul antes de deixar Lisboa, a cidade branca.

Realização e Argumento: Alain Tanner
Interpretação:
Bruno Ganz (Paul)
Teresa Madruga (Rosa)
Estreia em Portugal: Quarteto, 21 de Abril de 1983

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