Barranco de Cegos
Alves Redol
Capa: João da
Câmara Leme
Colecção
Contemporânea nº 29
Portugália
Editora, Lisboa s/d
«-Quem falou bem foi o padre Vieira, meu velho: «Nem
os reis podem ir para o paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões
podem ir ao inferno sem levar consigo os reis». Os reis de agora são os industriais…
É com eles que a coisa se entende. Ou n-não?!...
-Exageras. Somos todos necessários, Diogo Relvas.
- Não me digas que os ginetos fazem falta nas
capoeiras… A não ser para os próprios ginetos, claro. É um regabofe!
- Todos somos ginetos e galinhas. Um pouco de cada
coisa…
- Prefiro as coisas estremadas. Odeio, digo bem, odeio
o sindicato financeiro que nasce na tramoia, vive dela e morre de verdade.
Arrastando na morte toda a gente de boa fé que acreditou nesses balões cheios
de ar. Os políticos gostam disso, é bem de ver. Precisam de lugares nos
conselhos de administração.
- Precisamos dos políticos, Diogo relvas.
- É uma opinião que já tive e da qual começo a
descrer. Se o parlamento só serve para atiçar as fogueiras já acesas, acabe-se
com ele. Quando uma semente não dá bem numa terra minha, faço uma coisa
imediatamente: mudo de semente. Se o liberalismo já não nos serve, acabemos com
ele.
- Não será fácil. O liberalismo deu-nos vantagens…
- Mas agora leva-nos o que nos deu e o que já tínhamos
antes, arrastando tudo para o caos. Por mim começo a pensar que nos faz falta
uma monarquia absolutista. Para grandes males só os remédios rijos; doutra
maneira não vamos lá- Que se vão os anéis, mas que fiquem os dedos. Precisamos
de qualquer coisa que ponha ordem nas pessoas e nas almas…
- O mundo evolui, Diogo Relvas. Com sacrifício de
muita coisa, é evidente. O nascer de qualquer coisa é sempre difícil…
- O mundo evolui seguindo a vontade dos homens, meu
velho. É nisso que eu creio. Se agente pactua e hesita e hesita, aí vamos todos
na enxurrada.
- Vivemos na Europa.
- Podemos sair dela, meu caro Pereira. Faça-se um
cordão sanitários nos Pirinéus.
- Não é fácil… Precisamos de fazer o inverso. Criar
riqueza exportável».
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