Obras Completas
1º Volume
A Promessa. O Bailarino, A Excomungada, O Lugre, O Crime de Aldeia Velha
Bernardo
Santareno
Organização,
Posfácio e Notas: Luís Francisco Rebello
Capa: Delgado
Godinho
Editorial
Caminho. Lisboa, Dezembro de 1984
CAPITÃO (com autoridade; digno e simples; comovido. Começa a
cerimónia do funeral): Tenho muita pena do António Nazareno. Era um bom
rapaz e um bom pescador. Tenho muita pena… Resta-nos a consolação de
termos feito tudo para o salvar. Tudo. Gostaria mais de o sepultar em terra mas
4stamos longe e a lei não permite a arribada. Por isso o corpo do Nazareno será
dado ao mar. Eu bem sei que numa cova funda, coberta com boa terra firme, um
homem descansa mais em paz, que a mulher ou os filhos ou os pais o terão lá, anos
e anos, quieto… Depois, na terra duma campa nascem flores e ervas de cheiro:
giestas e malmequeres, rosmaninho e alecrim… Gostava, só Deus sabe como eu
gostava!, de sepultar o António Nazareno em terra. Mas não posso. Era um grande
prejuízo. Sei bem que todos vocês têm pena… Mas lembrem-se de que aqui, num
destes portos da Terra Nova, ele não teria nem giestas, nem rosmaninho… nada
disso! Seriam outras flores que a gente não conhece, que ele Nazareno, nunca
viu em vida! Até a terra, até a terra que o cobriria, seria diferente da nossa:
com outra cor, com outro cheiro. Isto é assim: e por assim ser, não devemos ter
pena de deitar ao mar o corpo do Nazareno. Aqui nestes bancos da Terra Nova,
ele fica menos só. Fica, fica mais acompanhado nestes mares. Se todas as vezes
e em todos os sítios que este oceano matou um pescador português, houvesse,
como é de uso na nossa terra, uma alminha iluminada… ai, então estes mares
estariam cheiinhos de luzes, cheios a perder de vista! Vocês sabem que é
verdade isto que eu lhes digo: alguns têm cá o pai, ou um irmão, ou um filho… É
ou não assim, João das Almas. Estou a mentir, Zé Sol? O nosso companheiro
António Nazareno ficará portanto neste mar. Que descanse em paz.
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