Gaivotas em Terra
David Mourão-Ferreira
Capa: Vespeira
Colecção Atlântida nº 10
Editora Ulisseia,
Lisboa 1959
Ainda não era meia-noite e já o tenente Sanches ressonava. Através da
porta, que ele tinha deixado entreaberta, vislumbrava-se apenas a outra cama –
onde, só lá pelas cinco ou seis horas da manhã, me seria permitido descansar um
pouco. Velha raposa, o tenente Sanches lançara-me, sobre os ombros novatos,
todas as maçadas do serviço da noite: a vigilância do recolher, as rondas, o
preenchimento de uma infinidade de papéis.
Era um dos meus primeiros serviços na unidade. Naquele tempo (não sei
se ainda acontece o mesmo), nós, os milicianos, só podíamos desempenhar funções
de «oficial de prevenção»: o «oficial de dia» tinha de ser um tipo do quadro. E
quem logo me fora calhar: o tenente Sanches! Tarimbeiro, desconfiado, muito
sorna, corriam acerca dele as piores histórias. Dizia-se mesmo que estivera
vagamente envolvido num crime: e que, por isso, não era promovido e tenente
haveria de morrer.
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