quarta-feira, 30 de julho de 2025

NOTÍCIAS DO CIRCO

O José Pacheco Pereira é de opinião que o rapaz que está à frente «daquela coisa» pretende proceder à alteração dos juízes do nosso Tribunal Constitucional, tal como fez Trump com o Supremo Tribunal Americano e isso coloca em perigo a nossa Democracia.

Estão a perceber?...

PERNOITAS EM MIM

pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória… amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes


Al Berto de Rumor dos Fogos em O Medo 

terça-feira, 29 de julho de 2025

DISTO DAQUILO E DAQUELOUTRO


É uma interessante crónica de Luís Filipe Castro Mendes publicada no Diário de Notícias, Já tem algumas semanas mas entendeu-se que a deveríamos reproduzir nesta secção aberta a tudo e mais alguma coisa.

«Vivemos um tempo em que os partidos social democratas começaram a ter vergonha de se dizer socialistas, porque “a palavra S” evoca nacionalizações, mais impostos para os ricos e estratégia económica reguladora do Estado, o que vai contra a “doxa” económica neo-liberal vigente, que visa remeter o Estado às estritas funções de soberania, beneficiar fiscalmente os mais ricos e anular qualquer influência estatal nos domínios económico e social. Em contrapartida, a extrema-direita perdeu qualquer resquício de vergonha e advoga o racismo, a xenofobia, o conservadorismo moral e o autoritarismo político, através da abolição da Constituição que nos rege. Qual seria a reação da nossa imprensa, dominada pelos ideais da economia liberal, se, algum iluminado de extrema-esquerda viesse propor uma Quarta República?

As universidades financiadas por empréstimos bancários aos estudantes, que passarão os primeiros tempos da sua vida profissional a trabalhar para os bancos, a saúde entregue aos privados, com seguros exorbitantes a cobrir dificilmente os elevados custos dos tratamentos mais inovadores, a educação para a desigualdade e não para a cidadania, esta é a face oculta do paraíso liberal, tão hipócrita e injusto como foi o paraíso comunista.

Face a esta hegemonia cultural da direita, no que toca às áreas económica e social, o socialismo democrático retrai-se, abriga-se num vago “socialismo liberal”, que não seria mais do que um liberalismo de rosto humano, uma economia desregulada com algum assistencialismo público associado.

Quem me lê dirá que estou a forçar as tintas, a caricaturar e a desvirtuar os objetivos liberais. Eu penso do neo-liberalismo que ele constitui uma ideologia extremista a partir dos princípios do liberalismo clássico, como o marxismo-leninismo (que eu, como social democrata que sou, distingo do marxismo), e que é expressão dos interesses de um capital financeiro que veio exercer a sua dominação nociva sobre a economia real. Houve antes um liberalismo social, aquele que integrou no pós guerra a economia social de mercado e que durou até ao dia em que Margaret Thatcher descobriu que não havia sociedade, só mercado.

Esse liberalismo extremista, próximo do anarco-capitalismo, encontra-se por toda a extrema-direita mundial, salvo quando o líder da extrema-direita (por exemplo Trump) descobre que esse neo-liberalismo vai limitar a sua autoridade absoluta e prolongar a abertura ao mundo que a globalização trouxe, impedindo políticas nacionalistas extremas: volta então (sempre Trump) ao conservadorismo autoritário tradicional das extremas-direitas, rompendo com Musk, o tecno-feudalista que desfaz os Estados com um serrote .

Não durou muito o idílio entre os multimilionários das tecnologias da informação e o presidente Trump. Mas olhemos para a Europa: a extrema-direita cresce por todos os Estados e interrogamo-nos até quando a direita que se reclama da Democracia irá fazer barreira a essa torrente e manter o seu lema “não é não”. A esquerda, obviamente, deve assumir como sua missão o combate, sem reservas nem meias palavras, àqueles que querem o suicídio do regime democrático. O que pode implicar da sua parte alianças e compromissos com a direita democrática, mas nunca o esquecimento da sua identidade e da sua diferença.»

Luís Filipe Castro Mendes no Diário de Notícias

1.

Alterações no programa da disciplina de Cidadania confirmam “pendor retrógrado” do Governo, acusa a Fenprof.

2.

Dez mil milhões de euros para reconstruir a Ucrânia., conclusão da Conferência de Recuperação da Ucrânia, para planear o pós-guerra, realizada em Roma.


3.

A Infraestruturas de Portugal perdeu 995 milhões de euros de fundos europeus para o projecto de linhas ferroviárias de alta velocidade.

4.

Portugal é o país que mais depende de fundos europeus e por cada dez euros gastos pelo sector público, nove são suportados por verbas de Bruxelas. 

5.

A Comissão Europeia corta verbas para agricultura em 22%.

6

«Era um miúdo, estava a correr para ir para casa, que era relativamente perto, passou um carro da polícia e abordaram-me. A primeira coisa que disseram foi: 'Então, preto, o que é que já roubaste?»

Rapper Harold

7.

Dados da OCDE mostram que sem imigrantes, a população activa em Portugal diminuiria e aquela organização defende que é preciso continuar a atrair estrangeiros, sobretudo para áreas menos qualificadas.

8.

 Roman Arkadyevich Abramovich ocupa o 311.º lugar na lista de bilionários da Forbes. Nascido na Rússia, em 2018 tornou-se israelita, encontrou ascendência sefardita da comunidade judaica de Hamburgo e, em 2021, conseguiu ser português também. O seu nome está associado a diversos crimes, mas a direita nunca se incomodou.

 10.

A proibição de voos nocturnos entre a uma e as cinco da madrugada, anunciada há sete meses, ainda não se concretizou e o Ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, desculpa-se dizendo que a medida “ demora um tempo a ser implementada”.

11

Em Maio havia 1.644.807 utentes sem médico de família, mais 42.230 que no mesmo mês de 2024.

12

Portugal continua a atrair cada vez mais milionários estrangeiros e deverá somar mais 1400 «indivíduos com património elevado» este ano, indica o mais recente relatório da consultora britânica Henley & Partners.

OLHAR AS CAPAS

As Estátuas Volantes

Jean-Paul Sartre

Prefácio: Lionel de Roulet

Tradução: Adolfo Casais Monteiro

Colecção: Novelas Inquérito nº 26

Editorial Inquérito, Lisboa, Fevereiro de 1941

Era uma coisa que a preocupava. Mal Pedro adormecia, tinha de pensar naquilo, não o podia evitar. Tinha que ele acordasse com os olhos turvos e ele começasse a tartamudear. «Sou estúpida, pensou ela: isso não deve começar antes dum ano; foi o que Franchot disse». Mas a angustia não a deixava; um ano: um inverno, uma primavera, um verão, o começo doutro outono. Um dia, aquelas feições ficariam deformadas; Pedro deixaria pender o queijo e entreabriria uns olhos lacrimejantes. Eva inclinou-se sobre a mão de Pedro e pousou nela os lábios: «Hei-de matar-te antes que isso aconteça».

À LUPA

A Lupa desloca-se.

Será por Brigitte Bardot?

Moça que, no dia 21 de Setembro fará 91 anos, e ainda é defensora dos animais, os humanos passam-lhe longe, muito longe mesmo, vive rodeada de polémicas, algumas bem escabrosas, desde 1992 que está casada com um conselheiro do fascista Jean-Marie Le Pen e em 2018, chamou às pequenas do Movimento Me Too hipócritas e ridículas e aqui tiro-lheo  meu chapéu de coco, porque se haverá pessoa que, no mundo, mais saiba de assédios e situações similares, é Brigitte Bardot.

Há uma canção do Bob Dylan, I Shall Be Free, em que ele diz que o telefone não parava de tocar.

 

«Era o Presidente Kennedy a perguntar por mim.

Ele disse: «Amigo Bob, do que precisamos para fazer o país crescer?»

Eu disse: «Amigo John, Brigitte Bardot, Anita Ekberg, Sophia Loren».

 Mas saudade, como diz o cantor brasileiro, Zeca Baleiro, é «brigitte bardot acenando com a mão, num filme muito antigo.»

Ou tudo não será pela canção do Zeca Baleiro?

 

A saudade

É um trem de metrô

Subterrâneo obscuro

Escuro claro

É um trem de metrô

 

A saudade

É prego parafuso

Quanto mais aperta

Tanto mais difícil arrancar

A saudade

É um filme sem cor

Que meu coração quer ver colorido

 

A saudade

É um trem de metrô

Subterrâneo obscuro

Escuro claro

É um trem de metrô

 

A saudade

É prego parafuso

Quanto mais aperta

Tanto mais difícil arrancar

A saudade

É um filme sem cor

Que meu coração quer ver colorido

 

A saudade

É uma colcha velha

Que cobriu um dia

Numa noite fria

Nosso amor em brasa

 

A saudade

É brigitte bardot

Acenando com a mão

Num filme muito antigo

 

A saudade

É uma colcha velha

Que cobriu um dia

Numa noite fria

Nosso amor em brasa

 

A saudade

É brigitte bardot

Acenando com a mão

Num filme muito antigo

 

A saudade

É brigitte bardot

Acenando com a mão

Num filme muito antigo

Na virada da montanha)

(O meu amor morreu)

(Na virada da montanha)

 

Como diria o intrépido cowboy

Fitando o bandido indócil

A alma é o segredo, o segredo do negócio

A alma é o segredo, o segredo do negócio


QUOTIDIANOS


 O calor assola o mundo.

Ninguém quer saber dos sistemáticos avisos sobre as alterações climáticas que estão a destruir o planeta.

Breve resumo dos incêndios que assolam o país:

Mais de 1200 operacionais passaram a madrugada no combate às chamas nos incêndios que deflagraram em Arouca, Ponte da Barca e Penamacor, de acordo com a Proteção Civil.

Mais de 40 habitantes passaram a noite confinados na Ermida.

A aldeia de Fornos de Carvão foi evacuada pelas 4 horas, disse à Lusa fonte do Comando Sub-regional da Área Metropolitana do Porto.

Todos os anos ardem vastas áreas de floresta, casas. As temperaturas no interior do país atingem valores de 36, 37, 42 graus centígrados. O calor é insuportável. Ou o mundo recua nas emissões de gases de darbono, ou vamos assistir a catástrofes gigantescas que podem ceifar milhares de vidas direta ou indirectamente.

Os incêndios  já provocaram prejuízos elevados, matando gado, consumindo anexos e alfaias agrícolas, campos agrícolas, árvores.

O drama de grande parte dos incêndios serem provocados por mãos criminosas de gente que são meios-atrasados-mentais a quem uns energúmenos dão uns euros para uns copos e os mandam provocar incêndios.

CANÇÃO DO AMOR-PERFEITO

O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.


Cecília Meireles em Antologia Poética


segunda-feira, 28 de julho de 2025

AGORA TIRARAM-NOS A BOLA!


As crónicas que escrevia na penúltipla página do JL chamava-lhes o «Homem do Leme», e é um dos 3 redactores que ainda suportam a feitura do jornal.

Manuel Halpern escreveu no, mais que provável, último número do JL, a habitual crónica  e intitulou-a com um «EM SUSPENSO»:


«No meu caso, foram 27 anos. Tempo de profunda dedicação, sem as condições, em que o trabalho se confundiu com uma causa. E também com uma casa. Esmero por vezes inglório de toda uma redacção que chegou a ser uma equipa de futebol. Foram saindo jogadores. Agora tiraram-nos a bola.

Se a publicação do JL for interrompida ou sair atrasada não é devido à greve, nem à suspensão dos contratos de trabalho, mas sim ao não pagamento de salários (entre outras dívidas). Para já fico em suspenso. Ficamos todos. Como um balão à espera que uma rajada de vento o faça voar.» 

TRABALHAR SEM RECEBER!


Os modernaços pseudo-empresários-de-pacotilha, espatifam as empresas, enganam os trabalhadores, entregam-lhes o pré-aviso e despedimento e pedem-lhes que continuem a trabalhar para angariar uma qualquer receitazinha!…

«A direcção do Sindicato dos Jornalistas  foi confrontada com a dramática notícia do despedimento, sexta-feira, 25 de Julho, de todos os trabalhadores do grupo Trust in News», lê-se num comunicado divulgado este domingo. 

De acordo com o sindicato, este «é um desfecho que começou a desenhar-se há meses e cujos reais contornos devem ser apurados em todas as dimensões, desde a jornalística, à económica, financeira, política e até judicial».

No comunicado, o SJ aponta a «postura incompreensível e intolerável» do administrador de insolvência da TiN, que quando entregou, presencialmente, o pré-aviso de despedimento aos cerca de 80 trabalhadores da empresa, lhes pediu «que continuassem a trabalhar para manter vivos os títulos, com o argumento de gerar receita, apesar de não ser dada qualquer garantia de remuneração»

NUNO PORTAS (1934-2025)

Aos 90 anos, morreu Nuno Portas.

Cada vez são menos aqueles que tanto fizeram por nós, e em tempos tão difíceis, tão difíceis.


SONETO

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

 

Carlos de Oliveira de Mãe Pobre em Poesias


domingo, 27 de julho de 2025

COMEÇOS DE LIVROS


Começo de Vida e Obra de José Gomes Ferreira de Alexandre Pinheiro Torres.

Um dos mais bonitos e desconcertantes começos de livro:

«No ano em que o Zeppelin se arriscava triunfante ao primeiro voo experimental, imagem Stanley-kubrikiana do início matemático do século XX, mas sem valsas de Strauss na banda sonora, já que imperava o «rei» Mahler de quem, por essa altura se estreava a 4ª sinfonia; no mesmo ano em que, no élan dos empreendimentos científicos e tecnológicos, Max Plank tornava pública a sua novinha-em-folha teoria dos quanta (aurora das leis da incerteza, da imprevisibilidade, do aparentemente contraditório no domínio da Natureza reduzida ao átomo), e a um auditório decerto mais vasto, o dos sobreviventes do mal du siècle, chegava a notícia consoladora de ter sido inventado, para auto-exterminação mais rápida (aina a técnica!) o utilíssimo e wertheriano revólver Browning; nesse mesmo ano – 1900 – nascia no porto, e muito a propósito na Rua das Musas, José Gomes Ferreira.

Legenda: retrato de José Gomes Ferreira por Ofélia Marques 

MÚSICA PELA MANHÃ

John Miles declarou que a música foi o seu primeiro amor.

Por primeiros e segundos amores, Dinis Machado no seu O Que Diz Molero, escreveu:

«Último cliché do bairro, enquadrado na cidade, e esta no rio, envolvendo o segundo amor da sua vida, que o primeiro, esse terá sido, segundo apurou Molero, a Greta Garbo, temos um poema dedicado à menina Mariana, formosa e intangível, a mais fugaz e pudica das aparições lá numa janela alta, o seu Amor de Perdição, caiu nas mãos dele, certa noite, o romance de Camilo, leu-o de um fôlego, enfeitiçado pela maneira como uma simples história de amor pode assumir a grandeza, estava repleto de febre e de Simão quando rompeu a aurora», disse Austin, e fez uma pausa. «O poema diz: Há pombos esquecidos nas estátuas desta cidade naufragada. Mastros de sombra escrevem o teu nome e em cada letra reconheço a madrugada. Mulheres e homens, enlaçados de cansaço, dormem um sono fundo, com raízes. Das margens desse sono se levantam as pedras das palavras que não dizes. Foge o mar dos meus dedos entre a noite, e a noite é uma canção que te procura. Nos meus olhos ardem estrelas encharcadas que rodeiam de azul a tua altura. Cada esquina é um cais à tua espera. Faróis e candeeiros chamam por ti. Como um sonho deslizo e permaneço na rua da janela onde te vi. Finalmente os pombos largados, partindo desta estátua que tu és». Houve outra pausa. «Este poema», disse Austin, «intitula-se The High Window, germinou muito tempo dentro dele e foi escrito anos depois, quando começou a ler e a amar os livros de outro escritor, Raymond Chandler, homem triste cheio de humor, que criou uma espécie de herói de aluguer, labiríntico e algo macerado, a quem os outros serviam logo ao pequeno-almoço, e sem direito a notícia nos jornais, pontapés na boca do estômago misturados com traição».

sábado, 26 de julho de 2025

POSTAIS SEM SELO

Sou feliz. E sou feliz de uma maneira muito estranha, porque adoro ter pequenas infelicidades. Se não tenho, invento-as. Adoro a tristeza. A tristeza é fundamental para criar, obriga-me a abrir uma janela que estava fechada e não tenho medo dela. Não quero, inclusive, que me venham tocar no ombro e consolar-me, quero ser tomado por esse sentimento de tristeza.

Mia Couto

OLHAR AS CAPAS

Personalia

José Pacheco Pereira

Capa: P. Serpa

Edições Tinta-da-China, Lisboa, Fevereiro de 2022

Os medos são tão antigos como a humanidade – em Edgar Allan Poe estão quase todos os medos «fantásticos» dos dias de hoje.

O que mudou foi outra coisa: foi o período de sono da razão dos últimos anos, o período em que se pensava que os grandes medos tinham acabado, o período em que as noivas gerações europeias (e em parte as americanas), nascidas depois da Segunda Guerra Mundial, achavam que essa coisa das guerras tinham acabado ou existia apenas nos sítios longínquos do subdesenvolvimento.

MÚSICA PELA MANHÃ


O vinho e o seu prazer.

Está vazia a garrafa do Manuel Maria.

Lembrança de José Afonso no Venham Mais Cinco, rio largo de profundis, uma neta para nascer, outras vontades, saber dizer amor, avenidas novas, praça de londres a arder.

Não sei da história, sei da lenda, então, à John Ford, publique-se a lenda:

Em Monforte, visita, dia frio, à casa do escritor galego Manuel Maria, como agasalho, deram uma garrafa de aguardente ao jornalista José Viale Moutinho. De regresso a Portugal, o jornalista bebeu-a com José Afonso.

Agora olho outra garrafa vazia, «Diálogo», um tinto do Douro, 12,5 graus, produzido e engarrafado por «Nieport», Vila Nova de Gaia, que acompanhou uns ovos com ervilhas, entrecosto, toucinho, chouriça.

O rótulo é uma banda desenhada contada em 20 dialogados episódios da autoria de Luís Afonso.

-Está a olhar atentamente para o vinho porquê?

-Conhece a expressão “in vino veritas”?

- Sim e então?

- Então estou a tentar encontrar a vvrdade do vinho.

- Para isso terá de o beber.

- E agora?

- A verdade estava no vinho. Bebeu o vinho. Logo, é em si que está a verdade.

O bebedor caiu? Adormeceu?

O outro acrescentou:

-Não é para levar o latim tão à letra.

Rio Largo de Profundis é a 1ª Canção do Lado A do álbum Venham Mais Cinco, gravado em Paris no estúdio «Aquarium» de 10 a 20 de Outubro de 1973.

A canção começa com um diálogo de ajuste de som entre José Afonso e os técnicos de gravação. e as palavras «A garrafa vazia do Manuel Maria», repetidas 4 vezes, com o som do fole do João dedilhado pelo José Mário Branco, e depois disto é que arranca a letra:

Rio largo de profundis
Uma neta pra nascer
Amor avenidas novas
Praça de Londres a arder
Não quero martelo e rima
Aqui no Largo da Graça
Quero ficar onde estou
Para salvar a quem passa
João, Francisco, Maria,
Cada qual um nome tem
Quando vos deu os bons dias
Ninguém responde a ninguém
Venha duma outra vontade
Lá eu soubera dizer
Amor avenidas novas
Praça de Londres a arder

sexta-feira, 25 de julho de 2025

O OUTRO LADO DAS CAPAS

Este é o 9º volume dos livros que o jornal Público escolheu para serem publicados, nos 50 anos do 25 de Abril, em edição fac-simile. 

Daqui a um mês será publicado o último volume da colecção.

A Biblioteca da Casa já possuía este catálogo da Cinemateca Portuguesa.

Voltar a comprar?

Admiti que sim. Os 11,00 euros que o livro custou, não me fazem mais pobre, eu que sou um remediado da classe média-baixa.

O que eu não gostaria era de, por causa de 11,00 euros, deixar a colecção incompleta aos filhos e aos netos.

Já acontecera com 5º volume da Colecção, que já existia na Biblioteca o livro do Matos Maia e não hesitei em comprá-lo.

OLHAR AS CAPAS


 25 de Abril: Imagens

Manuel S. Fonseca, Osório Mateus, Jorge Molder

Rui Simões, José Manuel Costa, João Lopes, Luís de Pina

José de Matos-Cruz

Capa: João Botelho

Edição da Cinemateca Portuguesa, Lisboa, Abril de 1984

Colecção 25 de Abril Os Dias da Revolução nº 9

Edição fac-simile A Bela e o Monstro/Rapsódia Final/Jornal Público, Lisboa Julho de 2025.

Teria sido preciso que um homem de génio tocasse as imagens da Revolução de Abril para que, de mero documento de um processo político, se transcendessem em saga, para que os factos se aproximassem da lenda. Mas, pensando bem, para que há-de um homem de génio tocar um tempo e uma história sem heróis?

À LUPA


Segundo o Expresso, Nicole Kidman fez pedido de residência em Portugal em 2023. 

A actriz australiana esteve no balcão da AIMA durante 45 minutos juntamente com os seus representantes legais em Portugal.

Todos os outros, os que esperam dias e dias para serem atendidos ao balcão da AIMA, para que alguém lhes ponha um carimbo que lhes permita trabalhar no que aparecer, sentem as diferenças de tratamento, mesmo não sabendo, sequer, quem é Nicole Kidman.

Claro que há diferenças… e que diferenças!

Na quarta-feira, O Globo do Rio de Janeiro noticiava que Nicole Kidman comprou, em Melides, no luxuoso empreendimento «Costa Golf & Ocean Club» uma casa milionária.

Mas não foi pela Kidman que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa mandou para o Tribunal Constitucional a Lei dos Estrangeiros, não poupando o Governo. Marcelo olhou a «lei» feita com os pés por Montenegro e o rapazola «daquela coisa» e reparou que aquilo estava marcado pelo risco de “potenciais tratamentos diferenciados e discriminatórios”.

AGRICULTURA

Agrícola era o sonho dos antigos

menestréis criados lavradores

frenesi demente nos postigos

interessantes inentos pra doutores

 

houve ainda um fado de em criança

um boi domesticado nos seus urros

por dentro dos amanhos um choro repelente

que vinha das searas dos donos e dos burros

 

agrícola o modo por que canto

redondo poder que os meus avós legaram

com loucos sim palermas no seu sono

primos de tanta vida pelas enxadas

ancinhos arados abandono

 

agrícola é o vinho e seu prazer

o som funesto do suor pela barba

e todas as mulheres

de narinas refeitas

e seios de pinho antigo

mulheres de tanto azedo e xaile

e tanto filho

Armando Silva Carvalho em Lírica Consumível

quinta-feira, 24 de julho de 2025

OLHAR AS CAPAS


 Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis

Cartas e Recordações do seu Convívio

Escritos coligidos e apresentados por

Beatriz Cinatti Batalha Reis

Lello & Irmão Editores, Porto, 1966

                                                                 Bristol, 24 de Dezembro de 1883

Meu querido Jaime

Depois de te escrever no sábado, em plena esperança de ir estar breve contigo, vejo que serei obrigado a demorara por duas ou três semanas mais a minha visita, Estou com uma quantidade imensa de trabalho, a fazer os «Maias» que, como sabes talvez, são agora propriedade do Chardron, e que devem ser entregues em manuscrito a prazos fixos.

Ora vou tão atrasado com o segundo volume, que depois de meditar diante da banca e de calcular tudo o que tenho ainda a fazer, decidi não me dar feriado no Natal, e de dicar aqui puxando para diante a carriola da Arte. Esta resolução desapontadora para aquela parte de mim mesmo que não gosta de trabalhar enquanto a outra parte, e o todo em geral, lamentam não poder ia aí ao meu velho Newcastle, saudar o Ano Novo com o meu velho amigo. Mas não é possível. Fica pois a visita, querendo Deus, para quando o trabalho esteja suficientemente adiantado – para eu poder sem transtorno, correr aí dar-te um abraço. Espero que seja em duas ou três semanas.

Os meus respeitos à Srª D. Celeste, e grande abraço

De teu

José


NOTÍCIAS DO CIRCO

O Presidente da República enviou, hoje, ao Tribunal Constitucional o decreto do Parlamento que altera algumas regras da lei que regula a entrada, permanência e afastamento de imigrantes do país colocando dúvidas constitucionais sobre sete normas que, na sua maioria, restringem o reagrupamento familiar de cidadãos estrangeiros. Marcelo Rebelo de Sousa pede urgência na resposta e fixa o prazo de 15 dias para a pronúncia dos juízes do Palácio Ratton.

Na mensagem enviada ao Tribunal Constitucional o presidente dá um arraso na lei que o governo e «aquela coisa» fizeram, em tempo foguete, aprovar no Parlamento salientando os abusos, as inconstitucionalidades, que tal lei, se for aprovada, poderá permitir.

À LUPA


 O ministro fala aos directores de escolas do país.

A sala está cheia e faz muito calor.

Disse que nas próximas décadas vão aposentar-se cerca de 4.000 professores. Cerca de dois terços dos que hoje dão aulas têm 50 anos ou mais e até 2034 são precisos 39 mil professores.

Noutro local da cidade, uma professora universitária, num exame, apanhou um aluno a cabular.

O aluno indignou-se e, depois de puxar o cabelo à professora, empurrou-a ao ponto de a professora bater com a cabeça na secretária da sala de aula.

A professora acabou por ser levada para a urgência hospitalar.

Tempo para a Lupa deslizar, uma outra vez para as Memórias de Rómulo de Carvalho, um enorme professor, um grande poeta que conhecemos como António Gedeão:

1.

A partir do 25 de Abril senti-me completamente inútil na minha qualidade de professor. Pessoalmente ninguém me maltratou, e quando queria ir ao meu liceu, entrava nele sem dificuldade depois de o aluno que vigiava as entradas me bater com um pauzinho e dizer que podia seguir. Tive a consciência plena da minha inutilidade como professor e o meu desejo imediato foi ir-me embora, deixar o ensino. Pensei que já deveria estar então, oficialmente, em condições de requerer a minha aposentação, ou seja de me reformar em conformidade com a lei então vigente.

2.

As repercussões do 25 de Abril nas escolas e no ensino, em geral, de que já vos dei exemplos, são dignos de registo. Razão teve o senhor Guerra, contínuo do Liceu Pedro Nunes, quando se aproximou de mim para me dizer, com voz velada: “Quer ouvir esta, sr. Doutor? Então um aluno daquela turma, que estava à espera da professora de Matemática, não me vem perguntar: “então a gaja de Matemática não vem?” O senhor Guerra ficou varado. Nunca pensara que um aluno pudesse fazer-lhe uma pergunta naqueles termos. E então disse-lhe: Ó menino! Que maneiras são essas de falar? E sabe o que ele me respondeu, senhor doutor? Estamos em Democracia, senhor Guerra.

Legenda: Rómulo de Carvalho/António Gedeão

NÃO FOI NA INFÂNCIA QUE FOMOS FELIZES

Não foi na infância que fomos felizes.

Nós não entendemos nada do passado e ao mais escuro de nós

chamamos infância.

Assim começam todas as biografias.

 

A infância dos outros é que te comove.

Disfarçadamente contas as sílabas do teu nome

e lembras-te de um muro baixo, de um jardim

ou de um jardim sem muro

ou de um muro sem jardim.

 

O sol que cerca as casas de silêncio

é o mesmo aqui e dentro da memória?

Que espécie de realidade damos às coisas perdidas?

Alguém já pensou isto; se buscas o novo

deixa à porta do poema as tuas ilusões.


Luís Filipe Castro Mendes em Poemas Reunidos

quarta-feira, 23 de julho de 2025

POSTAIS SEM SELO


 Mais uma noite, as estrelas brilham, mas esta noite estou tão só quanto possível. Oh!, a lua está a brilhar intensamente, iluminando tudo em redor, mas esta noite nenhum luar brilhará para mim.

Bob Dylan

À LUPA


 Não fui um leitor atento, disponível, dos livros de Vergílio Ferreira.

Diversas conversas, muito líquidas, com o Baptista-Bastos no «Expresso-Bar», no Largo da Trindade, levaram-me a ter uma ideia não muito clara, boa, do autor. Uma vaga ideia, apenas isso, de lhe ouvir falar de falta de carácter. Não se deve fazer as coisas assim…mas foi assim que se passou…

Os livros não os lera. Algum deus disponível nos Olimpos talvez me conceda um leve perdão.

Vergílio Ferreira sempre teve a ideia de que os seus pares dele não gostavam.

 Baptista-Bastos estava à frente desses pares.

No que, provavelmente, será o último número do JL, Vergílio Ferreira, a sua obra, é tema deste JL.

A Biblioteca da Casa apenas possui os primeiros 4 volumes da 1ª série da Conta-Corrente de Vergílio Ferreira. Não comprei  qualquer dos volumes da 2ª série.

Através do JL  fiquei a saber que a Quetzal já publicou – em 2 volumes – os livros da 1ª série. O volume que incluirá os livros da 2ª série será publicado em Novembro. Irei comprá-lo.

Mas a Lupa  atreveu-se em duas entradas da pré-publicação que o JL fez do que será o 3º volume a publicar no Outono.


OLHAR AS CAPAS

Tenda dos Milagres

Jorge Amado

Capa: Manuel Dias

Círculo de Leitores, Lisboa, Maio de 1983

Mas é um pão! Ai, meu Deus, um pão de mel! – Eclamou Ana Mercedes, dando um passo à frente, a destacar-se, palmeira tropical, da massa de jornalistas, professores, estudantes, grã-finas, literatos, vadios, ali reunidos, no amplo salão do grande hotel, à espera de James D. Levenson para a entrevista coletiva.

Microfones das estações de rádio, câmaras de televisão, refletores, fotógrafos, cinematografistas, um cipoal de fios elétricos, e por entre eles a jovem repórter do Diário da Manhã atravessou, risonha e rebolosa, como se encarregada pela cidade de receber e saudar o grande homem.

Rebolosa é termo chulo e falso, adjetivo vil para aquela navegação de ancas e seios, em compasso de samba, em ritmo de porta-estandarte de rancho. Muito sexy, a minissaia a exibir-lhe as colunas morenas das coxas, o olhar noturno, o sorriso de lábios semiabertos, um tanto grossos, os dentes ávidos e o umbigo à mostra, toda ela de oiro. Não, não ia a rebolar-se, pois era a própria dança, convite e oferta.

O americano saíra do elevador e detivera-se a olhar a sala e a deixar- -se ver: um metro e noventa de estatura, o físico de esportista, o jeito de ator, cabelos loiros, olhos azul-celeste, cachimbo, quem lhe daria os quarenta e cinco anos de seu curriculum vitae? As fotos de página inteira nas revistas cariocas e paulistas eram responsáveis pelo mulherio presente, mas todas imediatamente constataram: o material ao vivo excedia de muito os retratos. Que homem! Despudorada! — disse uma delas, de peitos de rola; referia-se a Ana Mercedes. Fascinado, o sábio fitou a moça: vinha decidida em sua direção, o umbigo de fora, nunca vira andar tão de dança, corpo assim flexível, rosto de inocência e malícia, branca negra mulata. Veio e parou em sua frente — não era voz, era gorjeio:

 - Alô, boy

-Alô! – gemeu Levenson, retirando o cachimbo da boca para beijar-lhe a mão.

NOME COMUM: JARDIN-DOS-POETAS

 Percorria ao anoitecer os jardins 

da cidade à procura das flores

oficiais – sobem amparadas 

e perfumam com a memória 

do chá as ruas irregulares. 

Levava uma tesoura de unhas,

insuficiente e desnecessária porque

não colhia nada que fosse vivo.

Restavam-me frases livres,

páginas dobradas, cadeiras desiguais

e os pratos vazios deixados

aos gatos.

 

O primeiro poema encontrei-o 

numa dessas buscas

debaixo da árvore maior,

no ferro que sustenta a copa,

preso com uma mola da roupa.

Margarida Ferra

terça-feira, 22 de julho de 2025

OLHAR AS CAPAS


Retratos de Memória

Bertrand Russell

Tradução: Brenno Silveira

Companhia Editora Nacional, São Paulo 1958

Para aqueles que são muito jovens para se lembrar do mundo de antes de 1914, deve ser difícil imaginar o contraste existente, para um homem da minha idade, entre as lembranças infantis e o mundo dos nossos dias. Procuro, embora com êxito sofrível, acostumar-me a um mundo de de impérios que se desmoronam, comunismo, bombas atómicas, agressividade asiática e derrocada da aristocracia. Neste mundo estranho e inseguro, onde ninguém sabe se estará vivo amanhã, e em que antigos estados desaparecem como brumas matinais, não é fácil àqueles que na juventude, estavam habituados a coisas antigas e sólidas, acreditar que estão agora experimentando é uma realidade e não um pesadelo passageiro.

À LUPA


A Lupa desce até uma crónica que, no dia 26 de Junho, Guilherme d’Oliveira Martins, publicou no Diário de Notícias, uma crónica sobre José Rodrigues Miguéis.

Mário Dionísio disse de Miguéis: «… um dos maiores escritores de língua portuguesa dos nossos dias».

José Saramago confidencia que Léah foi a primeira obra que leu de Miguéis e não teve necessidade de escrever que o entusiasmou.

«… ficou-me para sempre a recordação de uma personalidade extraordinária, com uns dons oratórios fora do comum e uma memória capaz de recriar em poucas palavras as situações mais complexas. Uma simples conversa com ele era um presente real, dialogar com a sua brilhante inteligência tornava mais inteligente o interlocutor. Pessoalmente, e sem querer gabar-me por isso, aproveitei desses momentos o melhor que pude.»

José Rodrigues Miguéis era um homem sereno. 

Escreveu em Páscoa Feliz que A serenidade é a maior virtude da inteligência.

Hoje muito poucos o leem. Não sabem mesmo o que perdem.

Sim, sei que estou velho e tornei-me um leitor mais de releituras do que novos autores.

Sei que faço mal mas… há sempre um regresso à casa da Dona Genciana…

 “Até que um dia, pela primeira vez ao fim de tantos anos, me atrevi a pisar a soleira daquela porta: para ver Dona Genciana. Estava uma sombra, quase irreconhecível, o cabelo todo branco e ralo, os olhos fechados.»

E como diz Guilherme d’ Oliveira no final da sua crónica no Diário de Notícias:

«Assim se desvanecem as memórias.»


Legenda: começo e final do conto Saudades para Dona Genciana que é uma das história que podem ser lidas  em Léah

NOTÍCIAS DO CIRCO

Luís Montenegro, em entrevista à RTP, soltou a frase de que «aquela coisa» está mais responsável!...

Paulo Baldaia no Expresso garante que  «O cheguismo está em todo o lado. Oxalá o povo acorde!»

BUSQUE AMOR NOVAS ARTES

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões em Sonetos

segunda-feira, 21 de julho de 2025

NOTÍCIAS DO CIRCO

«Destruir o único alojamento de que as pessoas dispõem, fomentar  o ódio ao outro (ou ser conivente com isso), restringir ao máximo o reagrupamento familiar ou colocar os direitos dos trabalhadores estrangeiros na mão dos empregadores, pode ser muita coisa. Não é, de certeza, uma política de imigração razoável, nem a construção de uma sociedade decente.»

Rui Pais Mamede no Público

OLHAR AS CAPAS


Vértice

Nº 473-475  Julho- Dezembro  1986

Homenagem a José Gomes Ferreira após a sua morte.

Colaboração.

António Ramos Rosa, Fernando Piteira Santos, Maria Velho da Costa, Fernando Lopes Graça, Artur Ramos, Baptista-Bastos, José Cardoso Pires, José Manuel Mendes, Mário Dionísio, Urbano Tavares Rodrigues

Capa: Armando Alves

Preço deste número: 500 escudos

Sonho, morte, frio, terra, pedras, árvores, nuvens, estrelas, astros – eis algumas das palavras que se nos deparam com mais frequência nos poemas de José Gomes ferreira. O sonho não é mais que um momento, um ímpeto que se realiza no movimento do poema e só nele, dado que o sonho é impossível total. Assim, o sonho ou o desejo, só na linguagem encontra a totalidade que o revela como possibilidade poética ou seja, como palavra que, opondo-se à negação, se afirma independentemente da lógica negativa que muitas vezes domina este discurso poético.

 

                Se eu ao menos construísse

                a casa num terreno de cristal

                que o meu olhar atravessasse

                lâmpada de água que sobe à superfície

                para a luz ter face.

ODE AO AMOR

Tão lentamente, como alheio, o excesso de desejo,
atento o olhar a outros movimentos,
de contacto a contacto, em sereno anseio, leve toque,
obscuro sexo á flor da pele sob o entreaberto
de roupas soerguidas, vibração ligeira, sinal puro
e vago ainda, e súbito contrai-se,
mais não é excesso, ondeia em síncopes e golpes
no interior da carne, as pernas se distendem,
dobram-se, o nariz se afila, adeja, as mãos,
dedos esguios escorrendo trémulos
e um sorriso irónico, violentos gestos,
amor...
             ah tu, senhor da sombra e da ilusão sombria,
vida sem gosto, corpo sem rosto, amor sem fruto,
imagem sempre morta ao dealbar da aurora
e do abrir dos olhos, do sentir memória, do pensar na vida,
fuga perpétua, demorado espasmo, distração no auge,
cansaço e caridade pelo desejo alheio,
raiva contida, ódio sem sexo, unhas e dentes,
despedaçar, rasgar, tocar na dor ignota,
hesitação, vertigem, pressa arrependida,
insuportável triturar, deslize amargo,
tremor, ranger, arcos, soluços, palpitar e queda.

Distantemente uma alegria foi,
imensa, já tranquila, apascentando orvalhos,
de contacto a contacto, ansiosamente serenando,
obscuro sexo à flor da pele... amor... amor...
ah tu senhor da sombra e da ilusão sombria...
rei destronado, deus lembrado, homem cumprido.

Distantemente, irónico, esquecido.

Jorge de Sena

domingo, 20 de julho de 2025

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...

Esta é a capa do JL nº 1429, que se supõe ser o último número.

O director, José Carlos de Vasconcelos, escreve um angustiante texto em que nos diz que o «JL não pode morrer?...»

«… porque não sei o que dizer aos nossos leitores e amigos sobre o futuro do JL. Não sei mesmo se ele voltará a sair…»

Quando em Março de 1981, surgiu o JL, Fernando Namora gostou muito «sob todos os aspectos», Natália Correia também, porque «vem dar a mão àqueles que estão ávidos de estímulos culturais para se libertarem da intoxicação política», Miller Guerra também gostou porque há muito se aguardava um jornal como o JL, mas acabou por notar que a «natureza da colaboração e a sua qualidade, embora excelentes, tornam a sua leitura, pelo menos para algumas camadas de leitores, um pouco pesada.».

Teresa Clara Gomes foi taxativa:

«Desiludiu-me. Esperava um jornal que me desse gosto ler., saiu-me mais um dever que um prazer. Acho o conjunto pesado, tanto na paginação como no conteúdo. Lamento, além disso, o tradicional elitismo do conceito de cultura subjacente à maioria dos textos. Diz-se que é um jornal de letras, artes e ideais, e os ideais quase não tocam o tecido cultural do nosso quotidiano. Esquecem-se, além disso, certas expressões culturais que nascem de criadores não intelectuais. Espero que isso seja e acidental e não corresponda a uma intenção dos responsáveis.»

No editorial poderia ler-se: «O JL é, ou pretende ser – na sua origem, no seu estilo e nos seus objectivos, -algo de novo entre

Nós (…) queremos ser um quinzenário de cultura potencialmente para toda a gente. Recusamos, pois os códigos das linguagens cifradas e os exercícios herméticos para pretensos iluminados».

Havia um espaço a ocupar e entendeu-se que o JL iria preencher esse espaço. Passados 44 anos, salvo alguns episódios, não o terá conseguido.

O JL saía, então, às terças-feiras e custava vinte e cinco escudos.

É esta a ficha técnica e os colaboradores do 1º número do JL.


Olhando hoje o 1º número do JL, e tendo em conta a tal «cultura para toda a gente» o que ressalta é e entrevista que o Fernando Assis Pacheco fez ao José Cardoso Pires, na sua casa da Costa da Caparica e em que os dois, para além dos livros e do resto, se deliciaram com uns tordos temperados e cozinhados pelo José Cardoso Pires e em que pelo meio aparece a frase do Cardoso Pires : «é muito mais difícil escrever um bom romance do que pilotar um Jumbo ou um Concorde.»