sábado, 11 de outubro de 2025

CHE


12 de Outubro de 1967

Parece que sempre conseguiram matar o Che Guevara, ao que dizem os jornais. Embora o sinta, não adiro com o mesmo sentimento que tive e tenho pelo Lumumba. É muito diferente lutar e morrer no seio do próprio povo ou agir como caixeiro-viajante da aventura revolucionária, no sei de outros. A dinastia dos Malraux nunca me foi simpática e a realidade confirma que há boas razões para isso.

Mário Sacramento em Diário

«Muitos consideram-me um aventureiro e na verdade sou-o, mas de um tipo diferente, do tipo dos que arriscam a pele para provar o que dizem.» Frase-resumo, em que há Sol e Trevas – e que incendeia a imaginação do radicalismo pequeno-burguês, neo-romântico ainda, em sua masturbação. Não basta querer a revolução. É preciso saber fazê-la.

Poema para Che Guevara escrito por Jorge de Sena:

 

Neste vil mundo que nos coube em sorte

por culpa dos avós e de nós mesmos

tão ocupados em desculpas de salvá-lo,

há uma diferença de revoluções.

Alguns sofrem do estômago, escrevem versos,

Outros reúnem-se à semana discutindo

o evangelho da semana; outros agitam-se

na paz da consciência que adquirem

com agitar-se em benefícios e protestos;

outros param com as costas na cadeia,

para que haja protestos. Há também

revoluções, umas a sério, que se acabam

em compromissos, e outras a fingir,

que não acabam nem começam. Mas são raros

os que não morrem de úlcera ou de pancada a mais,

e contra quem agências e computadores

se mobilizam de sabê-los numa selva

tentando que os campónios se revoltem.

Os campónios não se revoltam. E eles

São caçados, fuzilados, retratados

em forma de cadáver semi-nu,

a quem cortam depois cabeça, mãos,

ou dedos só (numa ânsia de castrá-los

mesmo depois de mortos) e o comércio

transforma-os logo num cartaz romântico

para quarto de jovens que ainda sonhem

com rebeldias antes de se empregarem

no assassinar pontual da sua humanidade

e da dos outros, dia a dia, ao mês,

com seguro social e descontando

para a reforma na velhice idiota.

Ó mundo pulha e pilha que de mortos vive!

 

(Em Poemas a Guevara) 


No 8º volume do seu Diário, Miguel Torga, sobre a morte do Che, colocava este poema:

 

Não choro, que não quero
Manchar de pranto
Um sudário de força combativa.

Reteso a dor, e canto

A tua morte viva.

 

A tua morte morta

Pelo próprio terror em que ficaram

À sua frente

Aqueles que te mataram

Sem poderem matar o combatente.

 

O combatente eterno que ficaste,

Ressuscitado

Na voluntária crucificação.

Herói a conquistar o inconquistado,

Já sem armas na mão


Quem te abateu, perdeu a guerra santa

Da liberdade.

Fez brilhar na manhã do mundo inteiro

Um sol de redentora claridade:

 

O teu rosto de Cristo guerrilheiro.

Sem comentários: