Neste Dia, o dia para José Saramago é 30 de Setembro de 2008, página 43 do 1º volume de O Caderno.
O
escrevinhador que sou, pontuou lá para trás, que a esperança não pode ser um
nome como outro qualquer.
Álvaro
Cunhal disse um dia que «a esperança pode ser um sentimento em relação a algo
que não se confia que possa ser alcançado». E fez um largo risco em O Ano da
Morte de Ricardo Reis quando Saramago lhe diz: «A esperança, só esperança,
nada mais, chega-se a um ponto em que não há mais nada senão ela, é então que
descobrimos que ainda temos tudo.»
Estaremos
cansados de esperar?, poematizou Eugénio de Andrade.
Miguel
Torga, indo mais longe, a dizer-nos que a angústia é o rosto sério da esperança.
Mas estávamos aqui pela leitura do Caderno de Saramago:
«Sobre as virtudes da
esperança tem-se escrito muito e parolado muito mais. Tal como sucedeu e
continuará a suceder com as utopias, a esperança foi sempre, ao longo dos
tempos, uma espécie de paraíso sonhado dos cépticos. E não só dos cépticos.
Crentes fervorosos, dos de missa e comunhão, desses que estão convencidos de
que levam por cima das suas cabeças a mão compassiva de Deus a defendê-los da
chuva e do calor, não se esquecem de lhe rogar que cumpra nesta vida ao menos
uma pequena parte das bem-aventuranças que prometeu para a outra. Por isso,
quem não está satisfeito com o que lhe coube na desigual distribuição dos bens
do planeta, sobretudo os materiais, agarra-se à esperança de que o diabo nem
sempre estará atrás da porta e de que a riqueza lhe entrará um dia, antes cedo
que tarde, pela janela dentro. Quem tudo perdeu, mas teve a sorte de conservar
ao menos a triste vida, considera que lhe assiste o humaníssimo direito de
esperar que o dia de amanhã não seja tão desgraçado como o está sendo o dia de
hoje. Supondo, claro, que haja justiça neste mundo. Ora, se neste nestes
lugares e nestes tempos existisse algo que merecesse semelhante nome, não a
miragem do costume com que se iludem os olhos e a mente, mas uma realidade que
se pudesse tocar com as mãos, é evidente que não precisaríamos de andar todos
os dias com a esperança ao colo, a embalá-la, ou embalados nós ao colo dela. A
simples justiça (não a dos tribunais, mas a daquele fundamental respeito que
deveria presidir às relações entre os humanos) se encarregaria de pôr todas as
coisas nos seus justos lugares. Dantes, ao pobre de pedir a quem se tinha
acabado de negar a esmola, acrescentava-se hipocritamente que “tivesse
paciência”. Penso que, na prática, aconselhar alguém a que tenha esperança não
é muito diferente de aconselhá-la a ter paciência. É muito comum ouvir-se dizer
da boca de políticos recém-instalados que a impaciência é
contra-revolucionária. Talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que,
pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência.
Obviamente, nada tenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro a
impaciência. Já é tempo de que ela se note no mundo para que alguma coisa
aprendam aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças. Ou de utopias.»

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