segunda-feira, 20 de outubro de 2025

CONVERSANDO


Agosto de 1965.

O meu pai chega a casa revelando que o Carvalho da Clássica Editora, antes da chegada da PIDE para proibir o livro, conseguiu esconder alguns.

O livro era A Revolução de 1383 de António Borges Coelho. Em 1964 já tinha colocado «Fora do Mercado», também da autoria de António Borges Coelho um livro editado pela Prelo: Raízes da Expansão Portuguesa.

Lê e depois conversamos, disse-me.

Antóbio Borges Coelho abre o livro com uma citação tirada do Emílio de Jean Jacques Rousseau, seguindo-se uma homenagem a Fernão Lopes:

«Os sublevados de 1383 ganharam a sua causa. Se a tivessem perdido, talvez conhecêssemos tão só as maldições do poder.

Assim todo o 1º e boa parte do 2º volumes da Crónica de D. João I são dedicados à narrativa e exaltação da gesta revolucionária.»

Tenho que ir muito longe nas leituras para balizar a primeira vez que vi uma referência a Rio de Onor. Foi em A Revolução de 1383 de António Borges Coelho. 

E hoje não consigo de adiantar os porquês do fascínio.

É na Viagem a Portugal de José Saramago que volto a encontrar Rio Onor. Pelo meio há um poema do Ruy Belo, mas só o li depois da Viagem de Saramago, pertence ao livro A Nau dos Corvos e está na página 326 de Todos os Poemas de Ruy Belo:


O GIRASSOL DE RIO DE ONOR


«Existe juro um girassol em rio de onor

mais importante por exemplo para mim que seja lá quem for

Eu vi hoje na andaluzia o girassol de rio de onor

à beira de uma estrada pouco antes de chegar a fernan nuñez

(Amigos que passais em direcção a córdova ou aos cobres de lucena

dai-me notícias desse girassol menos brilhante sol

mas bem mais acessível pelo menos para nós que não temos raízes

mas pomos o que temos sobre a terra)

Reconheci-o logo embora há muitos anos o não visse

além de o conhecer sabia ser ele natural de rio de onor

e lá habitualmente residente

É ele raios o partam disse idênticas as pétalas igual a cor

é ele ó céus é ele sem tirar nem pôr

o meu amigo girassol de rio de onor

(é fácil ter na flor um verdadeiro amigo

se o não sabíeis antes desde agora que o sabeis)

Era mesmo era ele sem tirar nem pôr

o girassol de rio de onor há tantos anos visto

Mas nós os que lá fomos e por lá passámos

nós é que já não somos quem lá fomos

e muito menos nós que somos vivos menos os mesmos somos

que tu ó meu amigo com as tuas

duas pernas pendentes lá da ponte sobre o rio

pequena ponte e diminuto rio

a dois passos dos olhos tão redondos que solares

dessas duas ou três quatro no máximo crianças

(meu deus essas crianças onde é hoje o seu país?)

Viajo  pela espanha mas é este julgo juro o girassol

pois embora não esteja em Portugal

não há ainda julgo plantas nacionais

e além disso aquela terra é meio espanhola

Mas nós que assim passamos pelos campos pelos dias

nós que não temos nem nunca tivemos

coisa pequena como uns palmos de país

pomos tudo  o que somos nestes seres que passamos

e nos fixamos só em certas fotografias que tiramos

Era aquele julgo juro o girassol de há anos

mas nós que como sombras por aqui passamos

porventura seremos os que éramos há anos?

Qual é ao certo o nosso verdadeiro país?

Lanço a pergunta aos verdes campo outonais da andaluzia

mas esta paisagem que tanto me diz

quem sou isso é que ela nem ninguém mo diz»


Mas voltemos A José Saramago:

Mas o viajante reconhece que «Não está bem em si: Afinal chegou a Rio de Onor, tanto o quis e agora nem parece contente. Certas coisas que muito se desejam, não é raro que nos deixem perdidos quando as obtemos.»

Também se encontra confuso. De Rio de Onor, para além do livro comovedor de que atrás fala, Saramago não indica o nome do autor do livro e apenas guarda a generosidade de Daniel São Romão e sua mulher que lhe deram pão e bagaço.

«Afinal de contas, onde está a fronteira? Como se chama este país, aqui? Ainda é Portugal? Já é Espanha? Ou é só Rio de Onor, e nada mais que isso?»

A Rio de Onor chamaram um dia uma das aldeias Maravilhas de Portugal. Ao lado há uma outra aldeia vizinha com o mesmo nome, mas em terras de Espanha. Contudo uma placa lembra:  "Mentalmente somos um só povo.".

E de novo António Borges Coelho:, pág.36 de A Revolução de 1383:


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